Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

BURRO VELHO

BURRO VELHO

21
Mar23

Do dia mundial da poesia - Alexandre O'Neill

BURRO VELHO

Um adeus português

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podia ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e ao seu minuciosa e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Alexandre O´Neill

21
Mar23

Dos meus filmes - Great Yarmouth

BURRO VELHO

greatyarmouth

 

E se os imigrantes do Hindustão que são miseravelmente explorados pelos nossos campos agrícolas fora derem lugar a portugueses a serem igualmente explorados em terras de Sua Majestade?

Great Yarmouth é uma cidade costeira inglesa onde uma fábrica de perús prefere contratar mão-de-obra sazonal portuguesa porque pode trata-los como carne para canhão e eles continuam a trabalhar sem levantar garimpa - no meio de tanta humilhação doeu especialmente fundo quando a personagem de Romeu Runa ia na rua e um local lhe gritou insultuosamente ‘pork and cheese’, a alcunha com que os portugueses são agraciados.

O filme atordoa-nos duma forma sufocante, sofrida, onde tudo é lúgubre, viscoso, feio, triste, fétido, onde há sangue, excrementos, tripas e pescoços cortados a salpicarem-nos a vista, onde a esperança há muito que morreu e só se tenta sobreviver, onde quem ainda consegue sonhar e deixar-se levar pelo coração de repente leva uma murraça e volta àquele lugar de inferno – se estiverem disponíveis para levar um soco no estômago então não percam este filme absolutamente extraordinário.

Todos os atores estão num nível altíssimo, superlativo (sou especial fã da Rita Cabaço), mas a Beatriz Batarda transcende tudo o que possamos imaginar, é maior que tudo, gigante mesmo.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

Em destaque no SAPO Blogs
pub