Está mal - o turismo desenfreado
Não quero focar-me na perspetiva do tremendo erro macroeconómico em termos uma estratégia de crescimento apenas assente no turismo, antes interessa-me a perspetiva dos pilares e da qualidade desse turismo e de como não se aprende com os erros dos outros, esta falta de visão e de coragem dos nossos governantes arrepia, nomeadamente, enquanto residente em Lisboa, a dos sucessivos senhores presidentes da câmara de Lisboa.
Nesta interessante entrevista à revista Visão, Christian Louboutin vem-nos recordar uma verdade cristalina mas que às vezes precisamos que seja uma personalidade estrangeira a recordar-nos, "Viajar é uma tendência. Por isso, há muitos turistas que vão a um sítio específico e que o destroem completamente. Mas constrói-se para eles estruturas, hoteis, estacionamentos. Quando o local está completamente destruído e já não tem alma, os turistas vão embora".
Na ótica de quem acolhe, o turismo é uma coisa boa, traz mundo, diversidade, abertura, mas quando passa a estar assente num modelo desenfreado, que expulsa e afasta os locais, que os faz viver pior porque tudo se tornou mais difícil e muito mais caro, então esse turismo é um fracasso que nos condena a todos. Num grande número de bairros de Lisboa já é difícil ouvir falar português, e não é só pelas enchentes em todo o lado e pelo tamanho das filas, é pelo custo exorbitante das coisas - aqui há umas semanas li numa notícia que os nómadas digitais estavam a trocar Lisboa pelo Dubai devido ao custo de vida, achei que só podia ser anedota, mas não era.
A Casa Independente, situada no Intendente, um sítio muito giro que reúne lisboetas e pessoas de todo o mundo, acabou de anunciar que vai encerrar em 2024 porque se vai construir no local mais um hotel, um hotel onde os turistas virão ver outros turistas, porque a alma de quem antes lá vivia já foi empurrada para os subúrbios.
O tema é complexo, desde logo porque todos queremos ser turistas e não podemos defender um turismo só para as elites, mas este turismo do airbnb's que roubaram os residentes à cidade e o descanso a quem ainda lhes sobrevive, das hordas de pessoas despejadas diariamente daqueles mastodontes dos oceanos que chegam a Santa Apolónia e entopem as ruas de tuk tuks (cidades como Barcelona já estão a proibir o acesso aos grandes navios de cruzeiros), dos hoteis e lojas para turistas a varrerem a cidade, das ruas entupidas em lixo e porcaria, tudo isto tem de ter um travão.
Senhor Presidente Carlos Moedas, será que o município de Lisboa, de cofres cheios, não deveria refrear esta especulação selvagem e proteger a sustentabildade da sua cidade e de quem nela reside, restringindo por exemplo o alvará a novos hoteis?