Dos filmes que amamos – Disponível para Amar, de Wong Kar-Wai

Nesta obra-prima do melodrama romântico, a virtude e a moral opõem-se à consumação do amor, anulando o toque, o desejo, a proximidade numa sucessão de desencontros, numa porta que nunca se abriu, num amor platónico de uma contenção desmedida, num amor nunca vivido, ou talvez sim, porque nisto de amores nunca se sabe, quizás quizás quizás, como canta tão bem Nat King Cole, e bem sabemos que o protagonista tem um segredo bem guardado, segredo esse que na lindíssima cena final enterra para sempre em Angkor Wat, templo budista no Camboja.
Toda a estética, muito filme noir, é deslumbrante e transporta-nos para o mundo perdido de Hong Kong nos anos 60, os elegantes qipao, as mesas de comida e os jogos de mahjong, os corredores apertados, os prédios velhos e janelas com grades, a chuva, as cores saturadas, mas se há algo que perdura no filme é a sua banda sonora, sobretudo o trecho ‘Yumeji’s Theme’, tornando cada cena tão depurada e tão intensa que, sobretudo quando recorre à câmara lenta, quase fixa o instante de um olhar ou de um toque, olhar esse que pode ser efémero ou durar a vida toda, quizás.
Nunca antes tinha visto este filme estreado no longínquo ano 2000, vi-o agora numa sala de cinema esgotada, numa tarde tórrida de calor, que privilégio viver nesta Lisboa cultural e cosmopolita, que privilégio tantos anos volvidos poder ver este filme numa sala cheia de gente.








