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BURRO VELHO

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30
Mai25

Dos meus livros - A Picada de Abelha, de Paul Murray

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Quando a leitura de um livro se torna imersiva, me faz querer aproveitar todos os momentos para ler mais uma página e ao fim de mais de 700 páginas não há ponta de cansaço ou aborrecimento, então para mim esse livro já é uma obra-prima, assim foi com A Picada de Abelha, do irlandês Paul Murray.

Não será bem uma saga familiar, porque acompanhamos esta família apenas num reduzido intervalo de tempo, ali à volta de um ano, mas mergulhamos na vida dos Barnes, uma família outrora endinheirada, com um avô rico a viver uma reforma dourada no nosso Algarve, antes da crise de 2008 assolar a Irlanda, e percebemos como o passado nunca se resolve sozinho, que um passado mal resolvido corrói-nos em lume brando, quando damos espaço aos nossos fantasmas a comunicação numa família torna-se sempre algo muito difícil.

A maioria dos leitores achará que a história se resume a nada e que é tudo muito aborrecido, sem ação para preencher tantas páginas, mas aqueles leitores que se deixam entusiasmar por enredos em que uma família se vai magoando, desiludindo, afastando, isolando, para essas pessoas que apreciam autores como Jonathan Franzen, então A Picada de Abelha é leitura certeira.

Murray oferece-nos sempre o olhar de cada elemento da família, o narrador vai saltitando entre o pai, a mãe e os dois filhos, e é impressionante o fulgor com que ora está na cabeça da mãe e a seguir na do filho adolescente, como transita entre personagens tão diferentes sempre de forma tão credível, aquela mãe a chegar aos 40 anos pensa mesmo aquilo, aquele filho de 12 anos usa mesmo aquela linguagem tão própria de adolescente, Murray constrói personagens muito completas, cada uma com o seu peso, com os seus traumas, com a sua argúcia, nós ficamos a saber efetivamente como aquelas personagens se sentem.

A escrita de Murray é sem dúvida muito rica, é trágica mas sempre com comédia de permeio, inteligente e criativa, que até brinca com coisas como a pontuação e formatação para moldar melhor cada personagem, alternando constantemente entre o humor e a sátira com a dureza, até crueldade, entre famílias, sim, entre famílias que se gostam, entre os melhores amigos, há todo um espaço para as nossas frustrações germinarem, a tensão está sempre lá, Murray permite que as suas personagens sejam simplesmente humanas, sem branquear os nossos lados sombrios.

Murray vai construindo uma trama em que as permanentes evocações do passado, flash-backs, vão desnovelando aos poucos segredos que nos conduzem a um final que acaba com estrondo, que nos vai deixar ou atónitos ou muito irritados, consoante o tipo de leitor que nós formos.

A Picada de Abelha, finalista do Booker Prize e eleito como um dos dez melhores livros de 2023 por jornais como o The New York Times, é um romance verdadeiramente arrebatador.

 

21
Mai25

Das exposições que eu vejo - Paula Rego e Adriana Varejão, no CAM da Gulbenkian

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Paula Rego está na minha galeria dos grandes génios da pintura, está lá entre o Turner, Picasso e tantos outros, poder ver um quadro seu é sempre um momento alto, nunca ficamos indiferentes.

No Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, podemos ver, até 22 de setembro, 80 obras suas e da artista plástica brasileira Adriana Varejão, que maravilha de exposição, que luxo podermos ver duas artistas de gerações e geografias tão diferentes a dialogar tão bem, sobre a opressão, a violência, o aborto, até algum erotismo no esventrar dos corpos, e a força imagética e profundamente criativa de Varejão aguenta muitíssimo bem este ombro a ombro com Paula Rego, formidável.

Se em Paula Rego o gesto da espada fica suspenso, Adriana, pelo contrário, faz o golpe e morde até fazer sangue, esta frase da curadoria da exposição diz tudo.

Para quem goste de pintura e consiga vir a Lisboa, absolutamente imperdível.

 

14
Mai25

Da atualidade política – as legislativas, a ética e o karma do cromossoma latino

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As eleições legislativas do próximo domingo só vão acontecer por causa dos problemas éticos de Luís Montenegro, esse escrutínio é a única razão pela qual vamos agora a votos.

E todos os vaticínios apontam que o quadro político não se vai alterar, com mais ou menos reforço todos parecem apostar na vitória da AD, e confirmando-se esse muito provável desfecho é porque Montenegro teve absoluta razão quando afirmou que ‘não fez nem mais nem menos do que qualquer português’.

Há verdades que nos custam a aceitar, mas a maioria dos portugueses, desde logo os que votarem nesta AD, acham que a ética não foi ferida nem a credibilidade hipotecada... porque se fosse com eles teriam feito exatamente o mesmo, este cromossoma latino dado à pequena trapaceirice, desde furar as filas de trânsito até fugir aos impostos ou meter uma cunha a alguém, parece ser um karma do qual não nos conseguimos livrar.

Mas o que é a ética afinal? Se isso não paga as contas de ninguém serve para quê mesmo?

E assim, num post sobre Montenegro, consegui resistir a escrever sobre o hino que pede para deixarmos o Luís trabalhar,  ou sobre o farol iluminado com falta de noção, o (des)respeito pelo jornalismo, a cara estampada nas t-shirts, o joguinho de volley ou a peregrinação de Carla, ai a peregrinação de Carla, tanto a dizer sobre estas e outras boutades, cala-te boca.

 

13
Mai25

Das séries que eu vejo - Severance

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Não costumo ser fã de séries, filmes ou livros sobre distopias ou ficção científica mais psicológica, mas decidi-me a ver Severance quando saiu a segunda temporada (três anos depois da primeira) e o coro de críticas foi unânime e super entusiasta, a melhor série dos últimos anos, a mais inteligente, a mais complexa, a mais tudo e tudo, pelo menos até à Netflix ter lançado Adolescense.

 Vi as duas temporadas já existentes de empreitada, não verei a terceira.

Já admiti que o problema sou eu, consigo perceber aqueles que lhe tecem os maiores elogios, é bastante criativa, não me recordo de ver nada parecido, os planos da realização são prodigiosos, toda a estética é muito apelativa, o Adam Scott e companhia são todos ótimos, a temática promete, a manipulação das grandes empresas capitalistas, o fanatismo religioso, o trauma, tudo parece ser muito profundo e dado a grandes reflexões, mas quase nada resulta, para mim foi (quase) tudo um grande aborrecimento (apesar de pérolas deliciosas, como quando vemos o Mr. Milchick numa coreografia dançada absolutamente hilariante) - no total de 20 episódios só não adormeci nos últimos de cada temporada, e eu nunca adormeço a ver séries.

Um dos meus problemas com este tipo de séries, sobre realidades distópicas, é que com a desculpa de o argumento ser super criativo, inovador, complexo, inteligente e profundo, as coisas podem ser só tolas e não ter nexo nenhum, o texto pode estar cheio de incoerências e nada se explicar, porque a nossa inteligência e imaginação tudo explicam, mas comigo esta receita dificilmente funciona.

Não nego que os finais foram em ambas as temporadas entusiasmantes, mas antes tivemos nove episódios para encher tripa, quase sempre num impasse sem saber para onde queriam ir - ah, a isso chama-se mistério, dirão alguns -, se eu quiser ser mais benevolente nove episódios a preparar o final apoteótico, sendo verdade que não consegui desistir na expetativa do que iria acontecer a seguir (o que só por si já tem mérito), mas no final o balanço soube a muito pouco, a pouco mais do que um pastelão pomposo a querer impressionar com tanto virtuosismo.

 

08
Mai25

Da atualidade política – os votómetros, as eleições e eu

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Acho piada ao ‘Votómetro’ do site do jornal Observador, é naturalmente um exercício limitado, mas saibamos nós interpretar que aqueles resultados não são nenhuma sentença do nosso posicionamento político, e dali podemos retirar conversas muito interessantes e divertidas com amigos e familiares, nomeadamente quando somos apanhados de surpresa com um vaticínio inesperado, algo do tipo: O quê? A mim deu-me o PAN, nem pensar, eu não sou PAN!!!

Na maioria das vezes, quase sempre, temos consciência de que a resposta que vamos dar vai direcionar as conclusões num ou noutro sentido, essa consciência mais ativa pode desvirtuar o propósito do jogo porque pode condicionar a nossa resposta, mas sem dúvida de que nos pode dar algumas dicas interessantes de reflexão, sou fã.

Dentro da mesma lógica, respondi ao ‘Espelho Meu’ disponível no site do jornal Expresso, no fim daquela bateria de perguntas ser-nos-á dito qual o partido político, e respetivo líder, com quem mais nos identificamos.

E a brincar a brincar, uma simples brincadeira plasmou-me a minha verdade mais nua e crua, não me revejo, nem me sinto representado, no atual quadro político português, o que além de uma lástima é deveras preocupante. Senão vejamos.

Diz-me o ‘Espelho Meu’ que o partido mais parecido comigo é a IL, seguido, por esta ordem, da AD, PAN, Chega, PS, Livre, BE e PCP. Tudo à direita.

Para além do choque que me assola de imediato, por o Chega não estar destacadamente em último - serei um fascista afinal? (alerta Ironia) -, consigo compreender o porquê dos resultados.

Sendo eu uma pessoa tendencialmente do centro-direita progressista, não sendo eu um liberal mas sim alguém que acredita que o Estado deve estar nalguns setores e que noutros deve deixá-los à iniciativa privada, se analisar bem o conjunto das questões colocadas, não me convertendo de todo em todo ao partido que me calhou na sorte, consigo compreender os resultados, se ainda fosse no tempo do Cotrim de Figueiredo…

Quanto ao perfil do líder com quem mais me identifico, e isto dá vontade de rir, diz-me o 'Espelho Meu' do Expresso que é com o Paulo Raimundo, seguido, por esta ordem, da Mariana Mortágua (isto dá-me um bocado de medo, confesso), Rui Tavares, Pedro Nuno, Inês papagaio Real, do Rui amorfo Rocha, do senhor Ventura e, por fim, do dono da ética, o nosso Primeiro.

Para os partidos, tudo à direita, para os líderes, tudo à esquerda, não podia haver uma combinação de resultados mais (im)perfeita.

Acontece que esta combinação aparentemente estapafúrdia é bem elucidativa, se eu olhar hoje para a Assembleia da República e para o Governo não me sinto de todo representado, sinto que aquelas pessoas que terão um pensamento próximo do meu se sentem órfãs.

E isso é preocupante? Muito.

No dia das eleições, perante a urna de voto, fecharei os olhos e farei da cruz um voto que acredito consciente e responsável (em política tenho muito medo dos extremos), mas não duvido de que muitos órfãos cairão facilmente na tentação de votar em quem não devem, em quem um dia não terá pejo de nos tirar até o direito a votar.

 

05
Mai25

Das minhas pazes com Saramago

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Olharei a tua sombra se não quiseres que te olhe a ti, disse-lhe, e ele respondeu, Quero estar onde minha sombra estiver, se lá é que estiverem os teus olhos”, citação do livro ‘O Evangelho segundo Jesus Cristo’ de José Saramago, livro banido por Sousa Lara e Cavaco por ofender a moral cristã, perdoai-os Senhor.

 

Até hoje li apenas três livros de Saramago, ou melhor, apenas dois, Todos Os Nomes, de que gostei moderadamente, e Ensaio Sobre a Cegueira, que amei compulsivamente, do Memorial do Convento, apesar de várias insistências, nunca consegui passar das primeiras páginas.

Sempre tive uma relação algo ambígua com José Saramago, reconhecendo-lhe o génio, e até me deixando contagiar por ele, sempre nutri alguma embirração pela persona, o preconceito do artista comunista que apregoa uma coisa mas que procura para si os luxos paradisíacos numa ilha estrangeira, alguém quase ingrata que deixara para trás o seu país.

Perante artistas estrangeiros é-me mais fácil distanciar a obra da pessoa, por mais polémicos que possam ser ou ter sido, continuarei sempre a ser fã de Woody Allen, Kevin Spacey ou Vargas Llosa, por exemplo, mas, não entendo bem porquê, tal já não me acontece com artistas portugueses, é impensável para mim ler qualquer livro de José Rodrigues dos Santos.

E foi assim que nunca mais voltei a Saramago, até fui comprando alguns dos seus livros, mas nunca mais tive vontade de o ler, a embirração gratuita a sobrepor-se à literatura, é o que é, ou foi o que foi.

Há alguns anos, o belíssimo documentário José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, com a inesquecível banda sonora de Noiserv, quase que me conseguiu reconciliar com Saramago, mas se resolveu a minha embirração, na verdade voltei a esquecê-lo.

Recentemente tive o privilégio de visitar a casa onde residiu nos últimos anos da sua vida, em Tías, na ilha Canária de Lanzarote, e deixem-me partilhar convosco, que emoção que foi.

Estar no meio dos seus objetos, das suas memórias, ver o mesmo horizonte que ele via, conhecer as suas rotinas, ouvir as suas palavras, compreender a sua história, imaginar tantas personalidades fascinantes sentadas na mesa daquela cozinha, desde Soares, a Almodôvar ou o já aqui falado Vargas Llosa, ver a oliveira que levou da sua terra, ver uma foto da nora do rio da cidade onde eu nasci na capa de um dos livros da sua biblioteca, ver os gatos dos cunhados a dormirem sossegados, provavelmente já ali dormiriam quando Saramago ali se sentava, ver o despojamento como vivia, pressentir a paz e o amor com que se rodeava, testemunhar o seu amor pelos livros, por Pilar, por Portugal, foi mesmo muito emotivo.

A senhora que nos guiou nesta visita, encantadora, chama-se Alba, e ao falar-nos de José disse algo que quase me fez corrigi-la, que algures no tempo, no tempo de Cavaco, os portugueses se tinham zangado com Saramago, estive quase quase para lhe dizer, Alba, querida Alba, eu até podia embirrar com ele, mas nós portugueses nunca nos zangámos com ele, sempre foi acarinhado por nós, o Cavaco é um burro, ele não conta, mas acabei por ficar em silêncio, a respirar o ar de Portugal que se respira naquela casa de Tías, Lanzarote.

E se reconciliado eu já estava, vim de lá a sentir uma pulsão urgente de encontrar esse DVD algures perdido de José e Pilar, e regressarei definitivamente, sem demoras, aos seus livros, a qual ainda não sei, olho para a estante e vejo de imediato As Intermitências da Morte, A Viagem do Elefante, A Caverna e O Ano da Morte de Ricardo Reis, mas, para as pazes serem completas, talvez vá mesmo procurar o sempre interrompido Memorial do Convento.

Obrigado José.

 

02
Mai25

Dos filmes de que gostamos - Marcello Mio, de Christophe Honoré

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Muitos não saberão quem é Chiara Mastroianni, tão pouco que é filha de Marcello Mastroianni e de Catherine Deneuve, talvez para estes Marcello Mio seja um filme sem interesse nenhum, e está tudo certo, não podemos ter todos os mesmos interesses, mas para quem gosta de cinema e das coisas de cinema, Marcello Mio é um puro deleite.

O francês Christophe Honoré, realizador de filmes de que tanto gosto, como ‘Em Paris’ ou ‘Agradar, amar e correr depressa’, conseguiu fazer esta comédia ligeira de que tão subtil e despretensiosa parece simplória, mas em que para além de refletir sobre questões da nossa própria identidade, quem é que nós somos verdadeiramente, ainda é uma divertida sátira sobre o mundo dos atores.

Em Marcello Mio quase todos os atores fazem de si próprios, para além de Chiara e Deneuve, mãe e filha, temos ainda gente como Melvil Poupaud, Fabrice Luchini ou a realizadora Nicole Garcia, e é precisamente de Nicole Garcia uma das frases mais impactantes do filme, representa um pouco mais como Mastroianni, menos como Deneuve, frase carregada de duplo sentido, não só no sentido literal da forma como o ator interpreta, e vemos isso tão nitidamente naquela cena de casting, mas também no sentido de perceber quem nós podemos ser para além da sombra dos nossos pais, sobretudo quando estes deixaram uma herança pública tão forte.

Chiara Matroianni assume de forma absolutamente despojada que não é fácil ser herdeira de dois monstros, que não consegue escapar à dureza dos castings, e numa espécie de sonho telúrico, ou surto psicótico, encarna as vestes e os jeitos do seu pai consagrado, Marcello Mio é acima de tudo um belíssimo filme de homenagem e de memórias afetivas.

Nas salas de cinema.

01
Mai25

Do turismo que fazemos e recebemos - Lisboa e Barcelona

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Aqui há uns dias, no feriado da sexta-feira santa, decidi ir passear até à baixa de Lisboa, a cidade onde resido, a cidade que já dificilmente reconheço como a nossa cidade.

A tão desejada multiculturilidade há muito que foi substituída por hordas de turistas que se acotovelam apressadamente e roubaram a essência de Lisboa, que prejudicam as suas gentes, é essa a palavra certa, prejudicar, fazer mal.

Tudo aquilo que começou por trazer as pessoas de fora, os bairros, as lojas, as pessoas, toda uma vivência e atmosfera, aos poucos vai desaparecendo.

São as filas intermináveis, não consegues dar dois passos sem teres de deixar alguém passar, são os preços estratosféricos, são as lojas de souvenirs que fecharam todo o nosso comércio de rua, são os hotéis a abrir de porta em porta e os alojamentos locais a expulsarem quem cá vive da cidade para fora, a tão falada gentrificação, é o lixo, o lixo que empesta cada rua por onde passam os turistas, é o cheiro insuportável a urina, se bem que não são só os turistas a fazer xixi na rua, infelizmente os sem-abrigo também não têm outro sítio para o fazer.

Algures nesse meu passeio entrei na Igreja de São Domingos, no largo com o seu nome paredes meias com o Rossio, aquela que sobreviveu ao terramoto de 1755 e a um terrível incêndio nos anos 50, aquela onde milhares de judeus foram mortos no massacre de 1506, gosto de lá entrar.

Estava a decorrer a missa da paixão, fiquei a assistir, só crentes, só residentes que habitam pelas vizinhanças, os turistas ficaram à porta barrados por um acólito mais encorpado, naquele feriado foi aquele acólito que me trouxe um pouco de Lisboa ao meu passeio.

O turismo e as pessoas que vem de fora trazem consigo muitas coisas boas, não as podemos renegar, mas há muito que as contas do deve e haver tornaram a balança negativa, e aos poucos irão certamente reduzir os encantos de quem nos procura, aquilo que os trouxe já não existe, não precisam de vir a Lisboa para comprar sardinhas em lata enquanto passeiam de tuk-tuk.

No dia seguinte fui a Barcelona, um fim-de-semana rápido há muito programado, vá-se lá entender esta mania da malta em passear por alturas da páscoa.

O ativismo de Barcelona contra o turismo é dos mais ferozes que já vai havendo por essa europa fora, e não são só os muito grafitis espalhados pela cidade, your tourism our misery ou the tourism is killing our city são alguns dos muitos dichotes que vamos lendo pelas ruas, mas é um protesto mais organizado, desde marchas até ao esguichamento de água contra as correntes de turistas.

O turismo é responsável por 14% da economia da cidade, há muitas pessoas e famílias a viver à custa do turismo, mas os problemas são exatamente os mesmos que sentimos em Lisboa, talvez um pouco mais acentuados, é impossível circular nas Ramblas e nos bairros turísticos mais próximos, a alma da cidade só conseguimos encontrar nos bairros mais distantes a norte da cidade, os preços impossíveis, o lixo e o mau-cheiro, e, sobretudo, a gentrificação, é impossível morar em Barcelona, não há casas para alugar, estão todas no alojamento local para abrigar os 170 mil turistas que dormem na cidade todos os dias, nos últimos anos o número de casas para arrendar caiu para metade e os preços duplicaram, os airbnb deste mundo a penalizarem fortemente quem devia ser protegido, as pessoas e as famílias.

Aonde é que eu fiquei a dormir? Num airbnb, precisamente. Hipocrisia? Talvez, admito, a questão é complexa.

São os políticos da cidade que têm de procurar soluções, se não para resolver o problema, pelo menos para o mitigarem, por exemplo o do lixo, se os turistas pagam taxas para pernoitar na cidade, essas taxas têm de ser obrigatoriamente para compensar as externalidades negativas desse mesmo turismo, arranjem-nos soluções senhores políticos, acabem com a política de abrir um hotel em cada esquina.

Em Barcelona também há muito para fazer e o equilíbrio nunca será fácil, mas lá a reflexão vai muito mais adiantada, por exemplo o alojamento local será proibido a partir de 2028 na esperança que milhares de casas voltem às famílias.

Esta semana a câmara de Lisboa decidiu prorrogar a suspensão de novas licenças de alojamento local na cidade, porque não mais arrojo e seguir mesmo o exemplo catalão?

 

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