Das pessoas que admiro - Natália Correia
A propósito do lançamento da sua biografia pela jornalista Filipa Martins, que lhe demorou quatro anos a investigar e escrever, recordo Natália Correia.
Não conheço a obra da poetisa, li apenas algumas coisas soltas, um dia dedicar-lhe-ei certamente mais atenção, mas retenho a imagem duma mulher fascinante, progressista, ativista e feminista, destemida e corajosa, teatral e excessiva, manipuladora e narcísica (precisava que gostassem dela ao ponto de, antes de morrer, ter destruído os registos do seu arquivo pessoal que pudessem manchar a sua imagem), bonne vivante e sarcástica, multifacetada e superiormente inteligente, daquelas pessoas longe de ser unânime mas que faz a sociedade avançar.
Por alturas de 1982, quando a Assembleia da República discutia a despenalização do aborto e o deputado do CDS João Morgado disse em sessão plenária que ‘o ato sexual era para fazer filhos’, em menos de nada Natália escrevinhou este ‘O coito do Morgado’, mais conhecido por truca-truca, e declamou-o em voz alta em jeito de resposta:
“Já que o coito – diz Morgado –
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menina ou menino;
E cada vez que o varão
Sexual petisco manduca,
Temos na procriação
Prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
Lógica é a conclusão
De que o viril instrumento
Só usou – parca ração! –
Uma vez. E se a função
Faz o órgão – diz o ditado –
Consumada essa exceção,
Ficou capado o Morgado.”
De génio.