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BURRO VELHO

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01
Mai25

Do turismo que fazemos e recebemos - Lisboa e Barcelona

BURRO VELHO

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Aqui há uns dias, no feriado da sexta-feira santa, decidi ir passear até à baixa de Lisboa, a cidade onde resido, a cidade que já dificilmente reconheço como a nossa cidade.

A tão desejada multiculturilidade há muito que foi substituída por hordas de turistas que se acotovelam apressadamente e roubaram a essência de Lisboa, que prejudicam as suas gentes, é essa a palavra certa, prejudicar, fazer mal.

Tudo aquilo que começou por trazer as pessoas de fora, os bairros, as lojas, as pessoas, toda uma vivência e atmosfera, aos poucos vai desaparecendo.

São as filas intermináveis, não consegues dar dois passos sem teres de deixar alguém passar, são os preços estratosféricos, são as lojas de souvenirs que fecharam todo o nosso comércio de rua, são os hotéis a abrir de porta em porta e os alojamentos locais a expulsarem quem cá vive da cidade para fora, a tão falada gentrificação, é o lixo, o lixo que empesta cada rua por onde passam os turistas, é o cheiro insuportável a urina, se bem que não são só os turistas a fazer xixi na rua, infelizmente os sem-abrigo também não têm outro sítio para o fazer.

Algures nesse meu passeio entrei na Igreja de São Domingos, no largo com o seu nome paredes meias com o Rossio, aquela que sobreviveu ao terramoto de 1755 e a um terrível incêndio nos anos 50, aquela onde milhares de judeus foram mortos no massacre de 1506, gosto de lá entrar.

Estava a decorrer a missa da paixão, fiquei a assistir, só crentes, só residentes que habitam pelas vizinhanças, os turistas ficaram à porta barrados por um acólito mais encorpado, naquele feriado foi aquele acólito que me trouxe um pouco de Lisboa ao meu passeio.

O turismo e as pessoas que vem de fora trazem consigo muitas coisas boas, não as podemos renegar, mas há muito que as contas do deve e haver tornaram a balança negativa, e aos poucos irão certamente reduzir os encantos de quem nos procura, aquilo que os trouxe já não existe, não precisam de vir a Lisboa para comprar sardinhas em lata enquanto passeiam de tuk-tuk.

No dia seguinte fui a Barcelona, um fim-de-semana rápido há muito programado, vá-se lá entender esta mania da malta em passear por alturas da páscoa.

O ativismo de Barcelona contra o turismo é dos mais ferozes que já vai havendo por essa europa fora, e não são só os muito grafitis espalhados pela cidade, your tourism our misery ou the tourism is killing our city são alguns dos muitos dichotes que vamos lendo pelas ruas, mas é um protesto mais organizado, desde marchas até ao esguichamento de água contra as correntes de turistas.

O turismo é responsável por 14% da economia da cidade, há muitas pessoas e famílias a viver à custa do turismo, mas os problemas são exatamente os mesmos que sentimos em Lisboa, talvez um pouco mais acentuados, é impossível circular nas Ramblas e nos bairros turísticos mais próximos, a alma da cidade só conseguimos encontrar nos bairros mais distantes a norte da cidade, os preços impossíveis, o lixo e o mau-cheiro, e, sobretudo, a gentrificação, é impossível morar em Barcelona, não há casas para alugar, estão todas no alojamento local para abrigar os 170 mil turistas que dormem na cidade todos os dias, nos últimos anos o número de casas para arrendar caiu para metade e os preços duplicaram, os airbnb deste mundo a penalizarem fortemente quem devia ser protegido, as pessoas e as famílias.

Aonde é que eu fiquei a dormir? Num airbnb, precisamente. Hipocrisia? Talvez, admito, a questão é complexa.

São os políticos da cidade que têm de procurar soluções, se não para resolver o problema, pelo menos para o mitigarem, por exemplo o do lixo, se os turistas pagam taxas para pernoitar na cidade, essas taxas têm de ser obrigatoriamente para compensar as externalidades negativas desse mesmo turismo, arranjem-nos soluções senhores políticos, acabem com a política de abrir um hotel em cada esquina.

Em Barcelona também há muito para fazer e o equilíbrio nunca será fácil, mas lá a reflexão vai muito mais adiantada, por exemplo o alojamento local será proibido a partir de 2028 na esperança que milhares de casas voltem às famílias.

Esta semana a câmara de Lisboa decidiu prorrogar a suspensão de novas licenças de alojamento local na cidade, porque não mais arrojo e seguir mesmo o exemplo catalão?

 

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