Dos filmes que adoramos - A Semente do Figo Sagrado, de Mohammad Rasoulof
A Semente do Figo Sagrado, do iraniano Mohammad Rasoulof, é um dos melhores filmes do ano, ponto, não só pela sua fortíssima dimensão política, que nos confronta e suscita à reflexão, mas também como peça de puro entretenimento.
Numa Teerão em fogo, com as manifestações num tumulto no rescaldo do espancamento da jovem Amini, temos uma família pacata cuja paz nunca antes havia sido contestada, até ao momento em que o regime promove o pai a juiz do tribunal revolucionário e as filhas adolescentes se veem inadvertidamente envolvidas nesse turbilhão, desafiando o pai e pondo, inclusivamente, a tão desejada promoção em perigo.
Todo o filme é um choque de valores, aqueles em que o pai quer acreditar e impor, e que lhes paga as contas, diga-se, e aqueles outros em que as filhas começam a defender, a libertação moral e religiosa, o uso não obrigatório do hijab, a não aceitação de uma sociedade patriarcal e do Estado que maltrata os seus filhos, tudo isto nesta família que se desmorona, subitamente, com sofrimento e incredulidade, e de um trama algo intimista, numa luta entre gerações com apelo à desobediência, evoluímos para um thriller político que nos prende ao écran, suspensos do que vai acontecer a seguir, com um friozinho no estômago com o que vai acontecer a seguir, acabando com laivos de western e de filme de terror, uma tensão sempre constante e muito credível.
Se já estamos perante um filme extraordinário, ainda somos mais tocados pela coragem e resistência de Rasoulof, que chegou a estar detido e escapou a uma condenação de oito anos de prisão numa fuga de 28 dias, tendo atravessado a fronteira a pé, com a cópia do filme a salvar-se com muitas peripécias pelo meio, por pouco não se perdia este filme importantíssimo.
Fica aqui uma curiosidade, A Semente do Figo Sagrado, premiado em Cannes e no Leffest, é um filme iraniano, gravado em Teerão (algumas cenas de exteriores são vídeos reais das manifestações de 2022-2023), com atores iranianos, mas está nomeado ao óscar de melhor filme internacional pela Alemanha, nacionalidade de um dos produtores do filme que serviu de veículo a esta nomeação, obviamente que o filme de Rasoulof nunca seria o candidato oficial do país.