Dos lugares especiais - ilha de Mykonos, Grécia
Na minha primeira visita à Grécia, podia ter ido ao encontro do berço da nossa civilização em sítios como a Acrópole, ter procurado a espiritualidade de Meteora ou, tão só, a efervescência de Atenas, mas, qual heresia, preteri a cultura por uma ilha no meio do mar Egeu, Mykonos foi a eleita.
Discordando desde já de mim próprio, numas férias nesta ilha das Cíclades também há lugar para a alta cultura, basta apanhar o barco e mesmo em frente está a ilha de Delos, berço de dois importantes Deuses, Apolo e Artémis, com um conjunto de ruínas que dão ares daquele que foi um importante porto e santuário da antiguidade clássica, portanto, se não prescindimos de alta cultura numas férias, também temos alta cultura em Mykonos.
Uma viagem cultural não passa apenas por museus e afins, passa em igual medida por conhecer um pouco como a população local vive, o que as pessoas comem, como se organizam e como se divertem, quando temos a oportunidade e o privilégio de convivermos com essas diferentes dimensões regressamos sempre muito mais ricos, e creio que ninguém contestará que estamos sempre a falar de cultura.
A ilha de Mykonos é sobejamente conhecida pelas suas praias paradisíacas, a sua principal atração, águas cristalinas e quentes, a par de uma vida vibrante na elegante cidade de Chora, a capital, com as suas casas alvas espraiadas à beira-mar, atulhada de pessoas em festa a gozarem as suas férias, seja a comer, a dançar, a calcorrear ruelas estreitas ou a tirarem as melhores selfies em Little Venice, Chora é um charme, com várias galerias de arte e lojas com pinta, quem chega num cruzeiro e desembarca por umas horas na cidade irá certamente encantado com a cidade, sim, se Lisboa sofre do mal dos cruzeiros, a Grécia sofre muito mais, mastodontes poluentes que descarregam pessoas por um par de horas para comprarem um íman para o frigorífico e põem mais um visto nos locais visitados.
Mas quem tem a sorte de ficar mais tempo, terá a oportunidade de conhecer um pouco mais, de conhecer uma ilha cheia de coisas maravilhosas e de algumas não assim tão boas.
O custo de vida da ilha muito elevado, dizem-me que é o sítio mais caro da Grécia, apenas acompanhada por Atenas, que nenhuma outra ilha é assim, mas ali os preços são de facto exorbitantes e paga-se para tudo, pelo menos até começares a descobrir melhor a ilha e ao fim de alguns dias perceberes que consegues encontrar praias paradisíacas, restaurantes fantásticos e sítios para estacionar sem seres esmifrado até ao tutano.
O trânsito é intenso, quase caótico, é impressionante o número de carros, aceleras e afins a circular, temos sempre alguém colado à nossa traseira, transportes públicos só mesmo para inglês ver.
Há vários sinais de que não estamos num país rico, seja na malha sol de ferro que usam para fazer as vedações dos terrenos, um bocadinho às três pancadas, seja na quase inexistência de imigrantes, os trabalhos comuns ainda são realizados por gregos, ou um sem fim de construções ilegais que não têm nem água nem saneamento e obrigam à profusa circulação de autotanques para remediar o que olhos fechados à corrupção permitiram durante décadas a fio, mas o primeiro sinal de todos de que não estamos num país risco é a fuga aos impostos, não há uma alma que não te peça para pagares em dinheiro e esqueceres o cartão, uma única, se pagar com dinheiro fazemos 10% de desconto, ouves isto em todo o lado.
E a falta de rendimentos durante oito meses do ano obriga as pessoas a explorarem ao máximo os euros do turismo, além dos preços irrazoáveis a forma descarada e insistente como te pedem gorjetas de 15% e 20% chega a ser aflitiva, mas estás de férias, a ilha merece, as pessoas merecem, como recusar?
Quanto à natureza, nem tudo é perfeito naquele paraíso, ou tens uma ventania desgraçada ou tens mosquitos, normalmente a ventania leva a melhor, as minhas alergias às picadelas muito agradeceram.
Resolvida a perspetiva menos simpática, Mykonos é definitivamente um esplendor, dona de uma simplicidade e de um je ne sais quoi, uma joie de vivre, ímpares.
A leve ondulação das colinas rochosas com as suas casas de pedra e paredes pintadas de branco com janelas azuis, o mar cor de esmeralda sempre ao fundo, a vegetação fustigada pelo sol e vento mas sempre com uma figueira da índia, oleandro ou buganvília a decorarem o cenário, e centenas de capelas ortodoxas que enchem a paisagem, sinal da devoção e da religiosidade das pessoas, que em tempos idos queriam agradecer e pedir proteção dos males que o mar podia trazer, a paisagem é muito bonita.
Há ainda duas coisas a destacar, e enaltecer, as pessoas e a comida.
A comida tem uma base muito elementar, quase frugal, mas carregadinha de sabor, todas as refeições foram orgásticas, tens peixe ou marisco (quem faz questão da carne não se inquiete porque não lhe faltará, sobretudo borrego), juntas-lhe azeite, azeitonas, tomate, verduras, queijo feta e molho tzatziki, com algumas derivações, e tudo te sabe pela vida. E o vinho, ai o vinho, não das ilhas, naturalmente, ali as videiras contam-se pelos dedos, mas da Grécia continental.
As pessoas, são contagiantes na vida que trazem consigo, a força e a alegria com que se abraçam uns aos outros, o respeito e educação com que nos tratam a nós visitantes, não sendo gentis, um pouco estouvados até, são sem sombra de dúvida muito empáticos, não tão diferentes de nós portugueses, pareceu-me.
E se há sítios mais remotos que são autênticas pérolas, como Fokos, onde chegamos depois de uma estrada de terra batida em que nos espera uma praia quase deserta, alguns cavalos e um pequeno restaurante donde não vamos querer sair de tão bom que é, mas se Chora é festa e sofisticação, Ano Mera, a segunda cidade da ilha, situada no centro, é a alma - uma praça com vários restaurantes aonde o turista estrangeiro não predomina e onde no fim da refeição já sabemos os nomes dos empregados, com a dona a fazer-nos festinhas no cabelo ou abraçada a nós enquanto vamos comendo, as dezenas de crianças que saíram de casa e brincam como se não houvesse amanhã, crianças livres, muitas, que brincam como a minha geração brincou nas ruas, o pequeno e insipiente comércio local, a torre altaneira do convento, saímos de Ano Mera de barriga e de coração cheio, saímos de Ano Mera a sentirmo-nos muito mais próximos daquelas gentes.
E não esquecer, gatos, há gatos por todo o lado, mas se não lhes achar piada basta não lhes fazer meiguices nem dar comida que eles não chateiam ninguém.
Não há sítios perfeitos, e não foi a Merkel que levou a Grécia à falência, foi a Grécia que me levou a mim à falência, mas este pedaço da Grécia por onde tive a fortuna de veranear, a ilha de Mykonos, anda lá perto.