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BURRO VELHO

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10
Jun25

Dos filmes de que gosto - Ossos e Nomes, de Fabian Stumm

BURRO VELHO

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Sete da tarde, dia de neura, não te apetece ir já para casa e resolves enfiar-te numa sessão de cinema, que filmes estão agora, olha aqui um alemão e eu normalmente dou-me bem com os filmes alemães, gosto de ver filmes alemães não só pela língua, mas, sobretudo, pela sociedade alemã retratada que é sempre algo que me suscita muito interesse.

Ossos e Nomes (Knochen und Namen), de Fabian Stumm, que bela surpresa, será preciso estar no mood certo para apreciar o filme, admito, mas naquele dia às sete da tarde eu estava definitivamente com esse mood.

Boris e Jonathan são um casal de uma certa elite intelectual de Berlim, um escritor, o outro ator, ainda não estão propriamente em crise mas percebem que começam a estar distantes um do outro, já implicam mais do que conversam, já se irritam mais do que riem, com impactos na suas vidas profissionais, um escritor desinspirado e um ator que tende a misturar a realidade com ficção, sendo este jogo um dos aspetos mais estimulantes, a forma como os ensaios do filme se entrelaçam com a vida das personagens, a forma como a fala das personagens se entrecruza com a fala das personagens do filme dentro do filme.

Cada cena demora o tempo certo, não é um slow movie mas podemos respirar em cada cena, e os planos são normalmente muito depurados, desenquadrados, até meio desengonçados, muitas vezes só uma parede branca ou uma janela, quase como se estivéssemos num consultório a fazer terapia, sendo que para mim esta opção do realizador resultou muito bem.

Fabian Stumm escreveu, interpretou e realizou Ossos e Nomes, porque no fim somos todos apenas isso, ossos e nomes, gostei muito.

E o meu reconhecimento às pequenas distribuidoras que nos permitem ver estes filmes que levam tão pouca gente às salas de cinema.

 

02
Mai25

Dos filmes de que gostamos - Marcello Mio, de Christophe Honoré

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Muitos não saberão quem é Chiara Mastroianni, tão pouco que é filha de Marcello Mastroianni e de Catherine Deneuve, talvez para estes Marcello Mio seja um filme sem interesse nenhum, e está tudo certo, não podemos ter todos os mesmos interesses, mas para quem gosta de cinema e das coisas de cinema, Marcello Mio é um puro deleite.

O francês Christophe Honoré, realizador de filmes de que tanto gosto, como ‘Em Paris’ ou ‘Agradar, amar e correr depressa’, conseguiu fazer esta comédia ligeira de que tão subtil e despretensiosa parece simplória, mas em que para além de refletir sobre questões da nossa própria identidade, quem é que nós somos verdadeiramente, ainda é uma divertida sátira sobre o mundo dos atores.

Em Marcello Mio quase todos os atores fazem de si próprios, para além de Chiara e Deneuve, mãe e filha, temos ainda gente como Melvil Poupaud, Fabrice Luchini ou a realizadora Nicole Garcia, e é precisamente de Nicole Garcia uma das frases mais impactantes do filme, representa um pouco mais como Mastroianni, menos como Deneuve, frase carregada de duplo sentido, não só no sentido literal da forma como o ator interpreta, e vemos isso tão nitidamente naquela cena de casting, mas também no sentido de perceber quem nós podemos ser para além da sombra dos nossos pais, sobretudo quando estes deixaram uma herança pública tão forte.

Chiara Matroianni assume de forma absolutamente despojada que não é fácil ser herdeira de dois monstros, que não consegue escapar à dureza dos castings, e numa espécie de sonho telúrico, ou surto psicótico, encarna as vestes e os jeitos do seu pai consagrado, Marcello Mio é acima de tudo um belíssimo filme de homenagem e de memórias afetivas.

Nas salas de cinema.

18
Abr25

Dos filmes de que gosto - Vermiglio

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Vermiglio, da realizadora italiana Maura Delpero, vencedor do leão de prata no último Festival de Veneza,  é um filme passado no final da segunda grande guerra numa aldeia perdida dos Alpes italianos, donde dificilmente se sai e aonde a vida de fora não chega, salvo um jovem desertor que um dia foi lá procurar um esconderijo e acabou por mexer na vida e nos costumes da aldeia.

Tendo como ingredientes o isolamento e a religião, a simplicidade e o bucolismo de Vermiglio são de grande beleza, talvez lhe falte alguma chama mas é sem dúvida um belíssimo filme do realismo italiano, para ver sem pressas.

 

05
Abr25

Dos filmes de que gostamos - Black Bag, de Steven Soderbergh

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Black Bag é uma expressão inglesa que significa tudo aquilo que um espião não pode revelar na sua vida privada por ser ultra confidencial, segredos de espionagem, alçapão muito útil quando se quer dar uma facadinha no matrimónio, ou, sabe-se lá, até pode ser um empecilho quando a malta se quer portar bem.

Black Bag é também o último filme de Steven Soderbergh, um belíssimo thriller de espionagem, inteligente e sofisticado, hora e meia de diálogos intensos, sem um segundo de palha, com toques de humor e alguma reflexão sobre relações e casamentos perfeitos, a mentira sempre no ar com ou sem detetor de mentiras, ah, e nem falta sequer um surpreendente twist no final, como é recomendável neste género de filmes.

Blanchett e Fassbender são exímios, mas não estão sozinhos, Pierce Brosnan, Tom Burke, Marisa Abela, Naomie Watts e Regé-Jean Page, formidáveis.

Muito bom.

Bons filmes.

 

14
Mar25

Dos filmes de que gostamos - O Romance de Jim, de Arnaud e Jean-Marie Larrieu

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O Romance de Jim, realizado pelos irmãos Arnaud e Jean-Marie Larrieu, é um melodrama familiar ao longo de 25 anos, um filme sobre a paternidade, a biológica e a afetiva, mas é também um filme do realismo, aquele que observa as vidas simples e triviais, o lado menos embonecado de quem vai trabalhar todos os dias para uma fábrica ou pastelaria, de quem vive longe das grandes cidades, no caso uma zona rural no Haut Jura, uma zona montanhosa perto da fronteira com a Suíça.

Não é só a história de Aymeric que se vê de repente a cuidar de um bebé que não é seu, o tal Jim que dá nome ao título, é sobretudo um filme sobre a bondade e as relações que as pessoas estabelecem entre si, afetos, e as pessoas não tem de ser más para fazerem mal às outras, às vezes os caminhos da vida é que não são fáceis e pelo meio todos fazemos asneiras.

A bondade e estoicidade do pai emprestado, interpretado pelo grande Karim Leklou (ganhou o César de melhor ator), vão perdurar nas nossas memórias.

Depois do frenesim dos Óscares, ir ao cinema e descobrir uma maravilha tão singela como este O Romance de Jim é uma felicidade, e o cinema francês nunca desilude.

 

27
Fev25

Dos filmes que adoramos - Nickel Boys, de Ramell Ross

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Nickel Boys, primeira longa-metragem de Ramell Ross baseada no romance homónimo de Colson Whitehead, vencedor do Pulitzer, é o último dos nomeados a melhor filme a estrear em Portugal (apenas em streaming), bem a tempo da noite da cerimónia.

Na Flórida do início dos anos 60, ver a amizade crescer entre dois adolescentes afro-americanos num reformatório segregacionista, onde o expectável seria ver a raiva e a violência, é comovente, e Ramell Ross vai tecendo aos poucos uma trama em que vamos percebendo a injustiça e os horrores a que estes jovens estavam sujeitos, de mansinho e sem mostrar quase nada vamos desconfiando do mal absoluto que imperava naqueles anos, mas se eram tempos em que se assassinava nas ruas pessoas como Luther King ou Malcolm X, imagine-se as atrocidades escondidas nestes lugares de ninguém.

O rendilhado do argumento e da montagem é um primor, cena a cena vamos descobrindo a história e o filme, sendo o twist final isso mesmo, um final que nos apanha de surpresa, nesse final em que também nos chocamos com imagens reais a preto e branco, num retrato da América cruel e racista que se vangloriava da chegada à lua, uma América não muito distante daquela que hoje tanto nos assusta.

Chegou-se a pensar que Nickel Boys iria estar na linha da frente na temporada dos prémios, foram muitos os editores de publicações como o New York Times ou a New Yorker que o elegeram como o melhor filme do ano, mas Nickel Boys perdeu o momentum e arrecadou apenas duas nomeações, filme e argumento adaptado - não sendo impossível que venha a ganhar nesta última categoria -, mas nomeações para realização, atriz secundária (Aunjanue Ellis-Taylor é cintilante) e montagem também seriam muito bem entregues.

Nickel Boys é amizade, é dor, é poesia, e sim, é mesmo um dos filmes mais bonitos do ano.

Na Prime Video.

 

21
Fev25

Dos filmes que adoramos - O Atentado de 5 de Setembro

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O Atentado de 5 de Setembro, do realizador suíço Tim Felhbaum, foi um dos grandes derrotados para as nomeações dos Óscares, o que até se pode aceitar dado a forte colheita de 2024, recebeu apenas indicação para melhor argumento original, mas é um grande filme daqueles que Hollywood tão bem sabe fazer (com co-produção alemã).

A história é sobejamente conhecida, nos Jogos Olímpicos de 1972, em Munique, os primeiros a terem transmissão televisiva em direto para todo o mundo, um grupo terrorista palestiniano sequestra uma comitiva de atletas e treinadores israelitas, centrando-se o filme na cobertura televisiva que o canal ABC Sports fez da tentativa de resgate por parte da polícia alemã.

O argumento é fortíssimo porque aborda, num tom adequado, as feridas do pós-guerra, um país a querer reinventar-se e as novas gerações a tentarem lidar com os seus pais que tudo testemunharam de olhos fechados, mas O Atentado de 5 de Setembro é primeiramente um filme sobre o jornalismo, numa altura que ainda havia telexes e se telefonava de cabines telefónicas, sobre a difícil decisão de quem está a editar as  notícias, sobre coisas como ética e deontologia, sobre a confirmação das fontes e o 'ouviu aqui em primeiro' lugar, sobre a ditadura das audiências e dos acionistas, e sobre o impacto daquilo que se quis ou não contar, no fundo sobre aquilo que hoje em dia tanto nos perturba e ameaça, sobre a importância vital de uma imprensa livre, justa e independente para a frágil saúde das nossas democracias.

Além da montagem intrépida que prende a nossa atenção em cada segundo dos 95 minutos da duração do filme, o casting é insuperável, não há uma estrela a puxar a si o protagonismo, todo o elenco tem uma pulsação tal que durante hora e meia vivemos intensamente este thriller jornalístico.

 

11
Fev25

Dos filmes e das atrizes que amamos - Babygirl e Nicole Kidman

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2024 foi uma excelente colheita para filmes, foi o ano de Anora, Brutalista, Ainda Estou Aqui, A Semente do Figo Sagrado, Tudo o Que Imaginamos Como Luz, O Quarto ao Lado, Challengers, e foi também o ano de Babygirl, que filmaço, pena é Hollywood ainda não estar preparada para ver Nicole Kidman a andar de gatas, para um filme que começa e acaba com orgasmos da grande estrela de Hollywood, sim, há ali uma estranha obsessão qualquer por plásticas, mas Nicole Kidman é talvez o que esteja mais perto de uma grande diva de Hollywood nos dias de hoje, grande injustiça não estar nomeada por este filme ao lado de Fernanda Torres e Mikey Madison.

E ouvir Father Figure do George Michael não será mais a mesma coisa.

 

05
Fev25

Dos filmes que adoramos - A Semente do Figo Sagrado, de Mohammad Rasoulof

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A Semente do Figo Sagrado, do iraniano Mohammad Rasoulof, é um dos melhores filmes do ano, ponto, não só pela sua fortíssima dimensão política, que nos confronta e suscita à reflexão, mas também como peça de puro entretenimento.

Numa Teerão em fogo, com as manifestações num tumulto no rescaldo do espancamento da jovem Amini, temos uma família pacata cuja paz nunca antes havia sido contestada, até ao momento em que o regime promove o pai a juiz do tribunal revolucionário e as filhas adolescentes se veem inadvertidamente envolvidas nesse turbilhão, desafiando o pai e pondo, inclusivamente, a tão desejada promoção em perigo.

Todo o filme é um choque de valores, aqueles em que o pai quer acreditar e impor, e que lhes paga as contas, diga-se, e aqueles outros em que as filhas começam a defender, a libertação moral e religiosa, o uso não obrigatório do hijab, a não aceitação de uma sociedade patriarcal e do Estado que maltrata os seus filhos, tudo isto nesta família que se desmorona, subitamente, com sofrimento e incredulidade, e de um trama algo intimista, numa luta entre gerações com apelo à desobediência, evoluímos para um thriller político que nos prende ao écran, suspensos do que vai acontecer a seguir, com um friozinho no estômago com o que vai acontecer a seguir, acabando com laivos de western e de filme de terror, uma tensão sempre constante e muito credível.

Se já estamos perante um filme extraordinário, ainda somos mais tocados pela coragem e resistência de Rasoulof, que chegou a estar detido e escapou a uma condenação de oito anos de prisão numa fuga de 28 dias, tendo atravessado a fronteira a pé, com a cópia do filme a salvar-se com muitas peripécias pelo meio, por pouco não se perdia este filme importantíssimo.

Fica aqui uma curiosidade, A Semente do Figo Sagrado, premiado em Cannes e no Leffest, é um filme iraniano, gravado em Teerão (algumas cenas de exteriores são vídeos reais das manifestações de 2022-2023), com atores iranianos, mas está nomeado ao óscar de melhor filme internacional pela Alemanha, nacionalidade de um dos produtores do filme que serviu de veículo a esta nomeação, obviamente que o filme de Rasoulof nunca seria o candidato oficial do país.

 

04
Fev25

Dos filmes que adoramos - Maria, de Pablo Larraín

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Gosto muito do realizador chileno Pablo Larraín e sempre tive uma embirração solene com Angelina Jolie, sempre a vi como uma atriz mediana, para ser simpático e não dizer sofrível.

Nas cenas em que Callas tenta regressar aos palcos é a própria Jolie que canta, teve aulas intensivas de canto durante vários meses, mas naquelas no auge da Diva é Callas quem ouvimos, Jolie faz playback, e estas cenas são confrangedoras, são terríveis, patetas, a vontade que dá é desistir logo ali de ver o filme.

Feito o disclaimer inicial e dito isto, e se conseguirmos sobreviver aos vários playbacks que vão acontecendo, MARIA é uma obra-prima, fiquei totalmente rendido.

Larraín filma a última semana de vida da grande diva da ópera, em que o mundo ainda aguardava para ver se alguma vez iria regressar aos palcos, nesses dias em que Callas já se transcendia ela própria numa outra dimensão, algures entre a tragédia e a religiosidade, quando começas a querer partir mas ainda te vais agarrando ao que podes, entre o delírio e doença, quando ainda carregas o porte altivo mas já és só alguém assustado e cuidador, uma despedida intimista e cheia de humanidade de Callas, a verdadeira diva, outrora e ainda, mau-feitio.

Angelina Jolie, magérrima, noutra personagem e com outro realizador ia parecer igual a ela própria, com cara de quem comeu e não gostou, mas aqui encarna a transcendência de Maria Callas de forma sublime, aquele langor arrastado dá-lhe uma aura mística que paira sobre tudo e todos.

Sem esquecer a amorosa dupla mordomo/governanta, com a minha Alba Rohrwacher, o filme é todo um primor de requinte, a direção de arte é notável, tal como o luxuoso guarda-roupa e a belíssima fotografia, justamente nomeada para o óscar (única nomeação).

 

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