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BURRO VELHO

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02
Nov25

Dos filmes de que gostamos, das coisas de cinema e do Dia de Finados – Gente Vulgar, de Robert Redford

BURRO VELHO

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A propósito da morte recente de Robert Redford, vi há poucos dias uma reposição no cinema Nimas do primeiro filme realizado por si, Gente Vulgar (Ordinary People), vencedor surpresa do óscar de melhor filme e de melhor realizador em 1981.

Recordo-me de tê-lo visto nos anos 80 e da sensação então de não ter sensibilidade, ou maturidade, ou ambas, para apreciar o filme, mas nestes 30 e tal anos o filme envelheceu muito bem para mim, a subtileza contida como aborda o luto, a culpa, a reconstrução familiar, a repressão emocional, tudo com uma grande elegância e elevação, mas com a angústia à flor da pele, belíssimo filme este que Redford nos deixou.

Num ano com grandes filmes em contenda (estreados em 1980), Touro Enraivecido, O Homem Elefante, Tess, Star Wars, Fame, entre outros, apraz-me saber, passado tantos anos, que um filme discreto como Ordinary People tenha ganho.

Robert Redford nunca ganhou um óscar de interpretação (além de realizador ganhou dois honorários), nunca foi reconhecido pelos seus pares com um grande ator, não obstante ter interpretado filmes memoráveis como Os Homens do Presidente ou África Minha (na minha opinião era um excelente ator), mas Redford ia muito além do grande ecrã, mesmo no cinema, onde por exemplo fundou o festival de cinema de Sundance, atualmente talvez a mais importante montra de cinema independente no mundo, mas também como cidadão, um homem de causas, ambientalista que se refugiou no seu rancho, Redford era um baluarte da América boa, aquela América que nós tanto apreciamos, progressista, educada e respeitadora - que falta nos fazem estas vozes na América de hoje.

A minha geração que adora cinema já começou a assistir à partida dos seus ídolos, já nos despedimos de gente como Diane Keaton, Gene Hackman, Donald Sutherland, Maggie Smith ou Claudia Cardinale, e olhamos com ansiedade para aqueles que ainda estão no ativo mas que nunca sabemos se ainda os voltaremos a ver, Jack Nicholson, Clint Eastwood, Judi Dench, Woody Allen, Vanessa Redgrave, Michael Cane, Shirley Maclaine, Sofia Loren ou Fernanda Montenegro, e por aqui continuava, pelo que neste dia de hoje, que é o Dia de Finados, celebremos também os nossos mortos do mundo do cinema.

 

31
Out25

Dos filmes que adoramos - Depois da Caçada, de Luca Guadagnino

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Depois da Caçada, do realizador italiano Luca Guadagnino, passa-se na comunidade intelectual da Universidade de Yale, nos EUA, e é um filme profundamente intelectual, daqueles que não nos facilita a vida, que nos dá muito texto e exige que estejamos concentrados no que estamos a ver para não perdermos o fio à meada.

Uma universidade americana está sempre na vanguarda do que se passa no mundo, nesta discussão dos símbolos e dos estereótipos de ser homem ou ser mulher, no poder enraizado, no ativismo que ao contrariar a corrente pode inverter e subverter as cadeias de poder, no cancelamento, na dúvida, eu lanço a acusação para o ar e fica a suspeita, como lidar com a verdade ou com a falta dela, como ser moderado e evitar que se prejudiquem pessoas inocentes.

Em Depois da Caçada não há moralismos nem verdades absolutas, mas há uma procura do bem e da moral.

Se Julia Roberts é incrível, tenho de destacar também o eterno esquecido Michael Stuhlbarg, mais uma vez a brilhar bem alto num filme de Guadagnino, sem dúvida um dos meus realizadores preferidos do momento (e mais prolífero e diversificado).

Se estiver num dia para usufruir da palavra e do pensamento, desfrute deste que é um dos melhores filmes de 2025, se quiser uma coisa mais leve, passe à frente.

 

 

26
Out25

Dos filmes que adoramos - Springsteen - Deliver Me From Nowhere, de Scott Cooper

BURRO VELHO

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Bruce Springsteen será a estrela internacional que mais admiro no mundo da música pop-rock, não só pelas suas canções, sobretudo pelas suas canções, mas também pelo exemplo e pelo farol que sempre tem sido, a sua voz contra o que se passa hoje na América faz-se ouvir bem alto e sem medo, disclaimer feito, este texto não tem nada de imparcial.

Esperei ansiosamente pelo dia de ir a uma sala de cinema ver Springsteen – Deliver Me From Nowhere, escolhi uma sala grande, com um bom sistema de som, a sala não estava cheia, estava a 2/3, algumas t-shirts pretas do Boss, do meu lado esquerdo dois americanos com ar de motoqueiros acabados de chegar para uns dias de férias, do meu lado direito um jovem educadíssimo que não resistia a levantar os braços no ar sempre que ouvia os primeiros acordes de uma canção, um avô com o neto de 20 e poucos anos, famílias de várias gerações, espetadores ávidos do que iam ver quase em modo de oração tal o respeito e a admiração que sentem por Springsteen, espetadores logo rendidos assim que ouvem Jeremy Allen White a tocar os primeiros acordes de Born to Run, com uma banda ao vivo numa arena repleta de pessoas a delirarem genuinamente com aquele momento, o mote estava lançado.

A história de Springsteen – Deliver Me From Nowhere começa em 1982 com o final da digressão do primeiro álbum de Springsteen, um álbum de estreia que foi um enorme sucesso e que praticamente o afirmou como uma estrela planetária, com os editores a pressionar um segundo álbum para o consolidarem e rentabilizarem o hype, e se o filme nos mostra o processo criativo daquele que veio a ser o seu segundo álbum, Nebraska, as inspirações que teve para compor, como compunha, a procura da sua confissão mais crua através de um som cru, imperfeito, com eco, um eco misterioso a dar voz a muitos fantasmas que todos temos a habitar em nós, e por isso o filme é também uma viagem à depressão, a esses nossos fantasmas, à sua relação com o pai, sempre presente, à saúde mental do pai que só mais tarde foi diagnosticada, à sua própria saúde mental, à sua depressão que alguém amigo o convenceu a pedir ajuda, depressão essa que é muito mais fácil com ajuda (e até pode ser muito criativa), ajuda essa que Springsteen nunca se envergonhou de dizer que não dispensa até hoje.

Não há como não falar do elenco, além do magistral Jeremy the bear Allen White, o produtor Jeremy Strong, o assistente Paul Walter Hauser, a pretensa namorada Odessa Young, a mãe Gaby Hoffman (o que eu gosto desta atriz, sempre secundária, sempre subtil), e o pai, Stephen Graham, que quando é encontrado perdido pelo filho num bar de LA protagoniza uma das cenas mais poderosas do filme, há olhares redentores que significam uma vida.

Tenho ainda de falar da fotografia do filme e de tantos planos tão bonitos, os contrastes de luz, o claro e o escuro.

Ao contrário do que é habitual, Bruce apoiou o filme, acompanhou as filmagens, procurando dar o mínimo de dicas possível, e gostou do resultado final, sente orgulho deste período que bateu no fundo e do álbum que aí foi gerado, Nebraska.

Adorei este Springsteen – Deliver Me From Nowhere, um filme que não defrauda os fãs, mas que é mais do que sobre cantigas.

 

15
Out25

Dos filmes que adoramos - Manas, de Marianna Brennand

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Não fosse uma pessoa que muito prezo ter-me enviado um vídeo com a Julia Roberts e o Sean Penn muito comovidos e entusiasmados a falarem do filme MANAS, e este filme ter-me-ia passado algo indiferente enquanto esteve em exibição nas salas de cinema.

A brasileira Marianna Brennand investigou durante 10 anos estas histórias de gerações de meninas da ilha de Marajó, na região amazónica do Pará, e realizou este filme que promove a transformação social, quebra silêncios, provoca empatia e mobiliza, impossível ser indiferente a este belíssimo filme, diretamente para as listas dos melhores do ano, o cinema brasileiro continua a dar cartas no panorama mundial.

 

12
Out25

Das coisas de cinema e das despedidas - Diane Keaton

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Hollywood adorava-a, mas tive sempre a sensação de que o mundo nunca a celebrou como merecia, talvez por não se levar muito a sério e cultivar o seu lado irreverente, quase sempre de chapéu, calças e gravata, talvez por adorar fazer comédias de baixo orçamento, tinha um tempo de humor absolutamente notável – Alguém Tem que Ceder, ao lado de Jack Nicholson é uma das minhas comédias preferidas de sempre -, talvez por estas gerações nunca terem visto as suas obras-primas dos anos 70 e 80, tantos papeis onde nos entregou uma vulnerabilidade incrível, como não amar a maior das divas de Woody Allen?

O meu total fascínio por Manhattan e Nova Iorque nasceu com ela, morreu uma das minhas atrizes preferidas, Diana Keaton, triste.

 

11
Out25

Dos filmes de que gostamos - Lavagante, de Mário Barroso

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Gostei muito de muitas coisas no Lavagante de Mário Barroso, gostei menos de outras, mas depois já gostei mais das coisas de que tinha gostado menos, e no fim já não sei bem se não gostei de facto de alguma coisa, o que eu sei é que Lavagante é um filme português que merece muito ser visto.

O tom excessivamente melancólico, um pouco lento, de Francisco Froes e de Nuno Lopes foi o que me suscitou mais dúvidas, mas depois até me fez sentido naquelas personagens tão nostálgicas e vulneráveis, num retrato histórico tão bem conseguido dos anos de mordaça, de vigilância, de perseguição e de tortura.

O argumento, de António Pedro Vasconcelos a partir de uma novela de José Cardoso Pires, é muito rico, com camadas muito profundas, onde nem tudo o que parece é, mas ao belíssimo texto – que bonita a metáfora do lavagante e do safio - o realizador junta a sua própria fotografia, esplendorosa, a preto e branco, e a música de Mário Laginha.

Se tudo isto já é francamente bom, falta o melhor, uma atriz de seu nome Júlia Palha, que arraso, qual Sofia Loren ou Claudia Cardinale, uma torrente de sensualidade, subtileza e provocação, uma interpretação memorável.

 

10
Out25

Dos ciclos de cinema - Os Anos de Ouro do Cinema Italiano

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No Teatro Campo Alegre, no Porto, já terminou, mas ainda está a decorrer no cinema Nimas, em Lisboa, um ciclo de cinema dedicado aos “Anos de Ouro do Cinema Italiano”, período áureo que começou logo a seguir ao final da Segunda Grande Guerra.

O programa é vastíssimo, 15 realizadores, 51 filmes, alguns inéditos em sala, muitas cópias restauradas, escolher o que ver é que era difícil, por isso concentrei-me num realizador de quem, creio, nunca tinha visto nada antes, Roberto Rossellini, muito reconhecido pela profunda sensibilidade histórica e humana dos seus filmes, um dos pais do neo-realismo italiano (e pai também de Isabella Rossellini, já agora).

O meu preferido foi Roma, Cidade Aberta (1945), um retrato poderoso da resistência italiana durante a ocupação nazi, símbolo da dignidade em termos de opressão, filmado logo após a libertação de Roma, combina ficção com documentário, a urgência e o sofrimento de um povo em luta. A atuação de Anna Magnani é memorável, a cena em que corre atrás de um camião nazi é absolutamente icónica.

A temática de como os alemães viveram a seguir ao fim da guerra sempre me despertou o maior interesse, e Alemanha, Ano Zero (1948) leva-nos a uma Berlim devastada pela guerra, onde Rossellini explora a desorientação moral e social através dos olhos de um jovem rapaz. A atmosfera sombria e o desespero silencioso refletem a ruína física e espiritual do pós-guerra, num retrato comovente da Alemanha (e não só) destruída.

Viagem a Itália (1954), protagonizado por Ingrid Bergman (casada com Rossellini) e George Sanders, marca uma transição de um cinema menos cru para um cinema mais introspetivo, acompanhando um casal inglês em crise durante uma viagem a Nápoles, revelando tensões emocionais e existenciais. Dizem que esta obra influenciou profundamente o cinema moderno, antecipando o estilo da Nouvelle Vague, talvez à época fosse muito à frente, confesso que gostei, mas que não me impressionou por aí além.

Bem-haja ao Nimas que faz estas programações, um grande privilégio poder ir ver este tipo de filmes, aos domingos de manhã, numa sala de cinema de rua.

 

08
Out25

Dos filmes que adoramos - Sinners, de Ryan Coogler

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Assumo o meu preconceito com filmes sobre vampiros, não vejo, não porque tenha medo, mas porque me entediam, e não fosse ser um dos grandes favoritos para as nomeações para os Óscares do próximo ano – num ano que vai ser de Batalha Atrás de Batalha e de Hamnet – e eu teria perdido este Sinners, realizado por Ryan Coogler e passado no início do século XX no Delta da América, o Mississípi.

Ele é drama racial, é história, é terror, vampiros, é puro entretenimento com muitas camadas de consciência política e de poesia pelo meio, ele é o blues da música negra com o folk irlandês dos brancos, e numa cena de antologia, em que mistura presente, passado e futuro, ainda consegue meter música eletrónica.

O estilo e a estética do filme são lindíssimos, e uma pessoa acaba o filme meio azamboado – um dos melhores filmes do ano.

Na HBO Max.

 

03
Out25

Dos filmes de que gostamos - Uma Grande, Corajosa e Bela Viagem, de Kogonada

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Uma Grande, Corajosa e Bela Viagem, do realizador koreano Kogonada, pode muito bem ser a comédia romântica do ano, doce, onírica e com muita fantasia pelo meio.

Temos um homem e uma mulher, solteiros, mais ou menos por opção, têm medo de se magoar e de serem magoados, e quando uma agência casamenteira os junta, numa grande, corajosa e bela viagem de carro, obriga-os a abrirem umas portas do seu passado, onde todos teremos os nossos traumas que nos dificulta o caminho.

Serei insuspeito, nunca fiz parte do clube de fãs de Colin Farrell e Margot Robbie, mas a chispa entre os dois é tão forte que quase se toca, com Farrel a brilhar lá nas alturas, acompanhado também por dois secundários maravilhosos, o mestre Kevin Kline e a desbocada Phoebe Waller-Bridge.

Entrei na sala sem saber ao que ia, palpita-me que metade da sala se entediou, mas estes filmes médios muitíssimo bem feitos são sempre um gosto imenso.

 

29
Set25

Dos filmes que adoramos - Batalha Atrás de Batalha, de Paul Thomas Anderson

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A brigada do bom gosto da malta que gosta de cinema quase que te obriga a venerar Paul Thomas Anderson, se tiveres a ousadia de lhe torcer ligeiramente o nariz corres o sério risco de ser proscrito para o resto da tua vida de qualquer conversa sobre filmes, tal a unanimidade em redor de PTA, mas a verdade é que PTA não falha, os seus filmes são obras-primas, ou estarei eu toldado por desejar muito pertencer ao clube do bom gosto?

Brincadeiras à parte, PTA não estará no topo absoluto dos meus realizadores preferidos, mas é um génio.

Batalha Atrás de Batalha é prodigioso em tudo, é entretenimento puro pelo simples prazer de desfrutar cinema, é ação, pancadaria, tiros e muito chinfrim, é mestria na forma como faz arte e prende o espetador (a perseguição numa estrada lá mais para o final é de antologia), mas também é profundidade, sátira e retrato sociológico, seja na relação de amor entre um pai e uma filha, seja na tragicidade cómica naquelas personagens bizarras de tão perversas que são, e que las hay las hay, seja ainda na reflexão profunda da perigosidade reinante na américa de hoje, aquela supremacista branca que odeia os negros e maltrata e expulsa os emigrantes.

Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Benicio Del Toro, Regina Hall, Chase Infiniti e a Teyana Perfidia Beverly Hills Taylor são superlativos, são para lá de bons, tal como a banda sonora do senhor Jonny Radiohead Greenwood.

São mais de 2h40 de puro deleite, sempre com o músculo do coração a palpitar no sítio certo, seguramente um dos melhores filmes do ano, um grande bem-haja a esta Hollywood que vai resistindo a Trump.

 

PS: o cartaz na foto não é o cartaz oficial português, mas gosto particularmente desta versão.

 

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