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BURRO VELHO

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03
Out24

Dos filmes de que eu gosto - Lee Miller: Na Linha da Frente, de Ellen Kuras

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LEE MILLER: Na Linha da Frente (porque é que o título em português não é somente Lee, como no original?) é um filme biográfico sobre a famosa repórter fotográfica dos tempos da segunda guerra mundial, a mesma que se deixou fotografar na banheira de Hitler no próprio dia da morte deste, que deu a conhecer ao mundo os horrores dos campos de concentração e que antes havia sido uma modelo famosa, capa de revista da Vogue e amiga flamboyant de gente como Picasso, Man Ray ou Paul Elouard, uma personagem carismática com uma vida transbordante.

A meu ver, o filme peca por querer colar a cuspo algumas mensagens feministas, perfeitamente desnecessárias porque foram encaixadas a martelo na história, vieram a despropósito, e por a personalidade de Lee por si só já ser um manifesto feminista, emancipada, investida, menosprezando a moral, regras e bons costumes que eram impostas às mulheres, sem nunca renegar a sua vulnerabilidade e feminilidade, características que às vezes parecem ser disparatadamente antagonistas, não era preciso forjar cenas para defender jovens indefesas de ataques de imberbes marialvas, mas, com exceção deste reparo, gostei do filme, primeiro somos atraídos pelas personagens, depois estas trazem-nos respeito e admiração, até mesmo alguma comoção, sem nunca querer ser piegas.

A direção artística e o guarda-roupa são exímios, as cenas interiores do bombardeamento a Saint-Malo são de uma imensa beleza estética, as cores, os tecidos, as paredes, todo um salão outrora faustoso e agora estropiado pelas bombas, tal como a banda sonora de Alexandre Desplat, linda.

É verdade que falta algum fôlego ao filme, mas em cima de tudo isto ainda temos os atores, que elenco formidável, Josh O’Connor, Marion Cotillard, Andrea Riseborough, Andy Samberg, Alexander Skarsgard, Noemie Merlant, e, sobretudo, Kate Winslet, às vezes até me esqueço quão maravilhosa é esta atriz.

 

28
Set24

Das coisas de cinema e das despedidas - Maggie Smith

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Para a minha geração que gosta de cinema, a morte de um ator ou realizador de que gostamos às vezes apanho-nos de surpresa - o quê, morreu o Philip Seymour Hoffman, nãoooo -, mas tem sido algo esporádico, mas tal como nas nossas vidas pessoais e familiares, à medida que vamos envelhecendo, a morte começa a ficar cada vez menos distante, começamos a dar por nós a pensar quanto mais tempo vamos poder repetir aquela situação com aquela pessoa, e numa escala diferente, é certo, o mesmo acontece com os atores e realizadores que adoramos desde sempre.

Muitos deles estão ali nos 90 anos e continuam a fazer filmes regularmente, filmes que adoramos devotamente, Woody Allen, Clint Eastwood, Judi Dench, Fernanda Montenegro, Michael Caine, Roman Polanski, Robert Redford, outros foram-se retirando mas de vez em quando ainda nos emocionam à brava em novos filmes, como o belíssimo filme de despedida de Sophia Loren, e cada vez que vejo um filme desta gente penso, será que vamos ter a felicidade de vos voltar a ver, será que vocês que nos acompanharam toda uma vida ainda nos vão trazer filmes novos?

Maggie Smith era uma das que me vinha logo ao pensamento, que atriz maravilhosa, tantos e tantos filmes, como já escrevi aqui neste blog, uma rainha, partiu ontem, e juntamente com outras partidas recentes, Donald Sutherland, Gena Rowlands, até Alain Delon, de alguma forma, para mim, assim se inicia um novo ciclo.

Saudades, admiração e tristeza, é o que sinto. Adeus, Maggie Smith, rainha!

 

26
Set24

Dos filmes de que eu gosto - His Three Daughters, de Azazel Jacobs

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Até podíamos dizer que o filme HIS THREE DAUGHTERS, do realizador, para mim desconhecido, Azazel Jacobs, é um filme de atrizes, tal a força e a sensibilidade das três filhas, Carrie Coon, Elizabeth Olsen e Natasha Lyonne, esta última a ser mesmo ventilada para a próxima temporada de prémios, mas o filme é muito mais do que as três portentosas atrizes somadas, é um filme das palavras e da tensão dos afetos,  que vive no desconforto de uma família que quer fingir que se dá bem mas que na verdade não se dá de todo, uma família que já passou a fase da mágoa e dos traumas e que simplesmente já está deslaçada, desfeita, e quando o pai que ainda as une está no leito da morte, há coisas para gerir, sentimentos para disfarçar, emoções a irromper, verdades a revelar, impossível não ver His Three Daughers e não sentirmos ali um apertozinho no estômago.

Um excelente filme, com uma lindíssima fotografia de Nova Iorque, saturada, quase em sépia, e uma banda sonora do brasileiro Rodrigo Amarante que vou rapidamente descobrir.

Na Netflix.

 

11
Set24

Dos filmes que vejo - Ritual, de Ingmar Bergman

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Para quem como eu conhece pouco a obra de Ingmar Bergman – gosto muito de Fanny & Alexandre, Cenas da Vida Conjugal ou Sonata de Outono mas não me recordo de ter visto mais algum dos seus filmes -, a Leopardo Filmes deu-nos agora a possibilidade de vermos grande parte da obra do realizador sueco com um ciclo de cinema que mostra 31 dos seus filmes, alguns inéditos nos cinemas de Portugal, retrospetiva essa disponível em várias salas do país até ao mês de outubro.

Na verdade estou mais uma vez a desperdiçar esta oportunidade, ainda assim consegui ver RITUAL, filme de 1969 com pouco mais de 1 hora de duração e feito para passar na televisão, e se no início se estranha de tão bizarro que é, a história de uma trupe de teatro ambulante que é sequestrada por um juiz por alegadas obscenidades e atentado ao pudor, depois entranha-se... e sendo um objeto de cinema com uma estrutura tão linear, apenas 4 atores confinados a 4 exíguas paredes, não deixou de me impressionar como é que em 1969 a televisão sueca passava telefilmes como este, tão fora da caixa, arrojados e desafiadores da moral e bons costumes, nós em Portugal na altura tão bafientos e estes suecos tão à frente.

 

10
Set24

Das coisas de cinema - Pedro Almodovar e o Leão de Ouro em Veneza

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O festival de cinema de Veneza é muitas vezes diminuído face a outros certames por ser, supostamente, uma montra de filmes norte-americanos e ter-se rendido às Netflix dos dias de hoje, pois bem, a edição de 2024 parece ter sido um luxo tal a qualidade superlativa dos filmes apresentados, quer a concurso quer fora de competição.

Estou em pulgas para ver tantos e tantos filmes que passaram por Veneza, a história do Adrien Brody judeu tão mal tratado na América do pós-guerra em The Brutalist, as consequências da ditadura militar no Brasil de Walter Salles com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, a loucura a dois no Joker musical de Joaquim Phoenix e Lady Gaga, a executiva ninfomaníaca Nicole Kidman em Babygirl, o Queer do 007 Daniel Craig pela mão de Guadagnino, as clivagens entre pai e filho provocadas por ideologias políticas no francês Jouer Avec le Feu, a vida agitada numa aldeia remota na Itália dos anos 40 em Vermiglio, o policial pela mão de Jude Law em The Order, a Maria Callas na pele de Angelina Jolie pela lente de Pablo Larraín, a graça de Clooney e Pitt em Wolfs que ainda deve ser mais divertida do que vê-los aos 2 a desfilar na passadeira vermelha, estou verdadeiramente em pulgas para conseguir ver todas estas pérolas, mas ainda não vos falei é do filme sobre o qual conto mesmo os segundos para me sentar a vê-lo no escuro da sala de cinema, que por acaso, ou talvez não, foi o grande vencedor do Leão de Ouro de 2024.

The Room Next Door é o primeiro filme em língua inglesa realizado por Pedro Almodóvar, a roçar na temática da eutanásia e com Tilda Swinton e Julianne Moore como protagonistas, só o trailer deixa água na boca, isto deve ser tão bom, mas tão bom.

A foto partilhada faz parte da produção que este trio maravilha fez para a Vogue Espanha, absolutamente icónicos!

 

06
Set24

Dos documentários que vejo - Elis & Tom

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Poder ver neste “Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você” todos os meandros e o método da composição criativa do álbum homónimo, do grande mestre Tom Jobim e da transcendental Elis Regina, é um privilégio imenso, este Elis & Tom que é um dos álbuns mais bonitos da música popular brasileira e que inclui uma das canções mais icónicas do século XX, Águas de Março. Que bálsamo tão bom.

 

05
Set24

Dos filmes de que eu gosto - A Terra Queimada, de Thomas Arslan

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Este segundo filme de uma prometida trilogia do alemão Thomas Arslan, Terra Queimada (Verbrannte Erde, no original) é um policial à moda antiga, de poucas palavras e ação qb, parcimonioso, tenso, quase nostálgico, em que acabamos a torcer pelo ladrão profissional que rouba um quadro famoso de um museu de Berlim, Mulher ao Amanhecer, de Caspar David Friedrich, que não tem medo de despachar a sangue-frio um qualquer malfeitor mas que ainda segue uma ética, seja ela qual for. Muito bom.

 

30
Ago24

Dos filmes de que gostamos - A Linha, de Ursula Meier

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Ficamos logo atordoados com o início, não percebemos bem o que estamos a ver com tanta pancadaria encenada de forma tão teatral, começando-se logo a seguir a montar o puzzle, uma família disfuncional onde o ódio e o amor entre uma mãe e filha vacilam e alternam a cada instante, eu odeio-te mas não vivo sem o teu abraço, mas de facto entre pais e filhos não há linhas vermelhas que possam ser ultrapassadas, o amor umbilical permanece sempre lá.

Duas das irmãs são personagens tão complexas quanto estranhas e cativantes, muito convincentes, mas é a alegria desajustada, frágil e disparata da mãe, brilhante Valeria Bruni Tedeschi, que nos prende a cada cena deste insólito filme, A LINHA (La Ligne), da francesa Ursula Meier.

 

23
Ago24

Dos filmes que amamos - All of Us Strangers, de Andrew Haigh

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ALL OF US STRANGERS (Desconhecidos), de Andrew Haigh, é um drama intimista e melancólico com ares de surrealismo, misterioso e místico, com fantasmas e twists surpreendentes no final, é sobre o luto e a solidão, sobre a aceitação e o amor, sempre sobre o amor, sobre quem quer ser abraçado pelos pais que já não tem, sobre as feridas por sarar com os nossos pais e o desejo que nos vejam como adultos, é sobre as angústias e os traumas de quem precisa de ser acarinhado e compreendido por aqueles que mais ama e que não vão voltar, é sobre aquilo que somos sem as pessoas que mais amamos neste mundo, e não, não é um filme LGBTQ, apesar de os dois protagonistas serem homossexuais a procurarem afastar os vampiros da sua porta, mas ALL OF US STRANGERS é um filme universal, é um triste, comovente e lindíssimo filme sobre a reconciliação, sobre a forma como os fantasmas nos afetam e condicionam.

Ouvimos constantemente os versos de The Power of Love dos Frankie Goes to Hollywood, nunca esta música teve tanto impacto em nós, apetece ouvir em repeat, porque o filme recua até 1986, quando Adam tem apenas 12 anos, mais ou menos quando eu próprio também tinha 12 anos, numa altura que os pais não se relacionavam com os filhos como o fazem nos dias de hoje, numa altura que muitas vezes os pais não sabiam lidar com os filhos, quando muitas vezes não era a morte que os separava mas sim a falta de compreensão, quando o bullying ainda não se chamava bullying - talvez por ter vivido esses dias e por já não ter todos que amo comigo, talvez por isso ALL OF US tenha ressoado tão forte dentro de mim.

Claire Foy e Jamie Bell são excelentes enquanto jovens e incapazes pais (são mais jovens que o seu filho) também à procura da sua redenção, Paul Mescal na sua vulnerabilidade suplicante confirma-se cada vez mais como um dos meus atores favoritos da sua geração, e Andrew Scott tem talvez a melhor interpretação dos últimos anos no cinema, tal como ALL OF US STRANGERS é um dos melhores filmes a ser vistos em 2024 (o filme é de 2023 mas estranhamente não foi estreado nas salas de cinema, talvez por ter personagens gay, será?).

No canal Disney+.

 

20
Ago24

Da tragédia da Palestina e do milagre do cinema - festival Periferias e Bye Bye Tibériade

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O festival de cinema de Marvão – PERIFERIAS – é um evento com várias dimensões, arte, direitos humanos e ecologia, mas é sobretudo uma montra de filmes independentes que possibilita às gentes da raia ver filmes que normalmente não lhes estão acessíveis, procurando assim trazer públicos novos para o cinema e sendo uma fonte de cultura para quem vive e visita esse paraíso que são as terras da Serra de São Mamede.

Os filmes são projetados normalmente ao ar-livre e sempre em sítios muito especiais, como pátios de castelos, estações de comboios, lagares de azeite, cidades romanas ou praças públicas, localizados ou no concelho de Marvão ou da cidade vizinha do outro lado da fronteira, Valência de Alcântara.

Um dos filmes exibidos foi BYE BYE TIBERÍADE, da jovem realizadora francesa Lina Soualem, que quis oferecer à sua mãe este documentário, Hiam Abbass, atriz franco-palestiniana consagrada e conhecida de todos, por exemplo da série Succession.

O filme acompanha quatro gerações de mulheres e recua até 1948, altura da fundação do estado de Israel e da expulsão dos bisavós da realizadora da sua casa, quando a sua aldeia, junto do lago Tiberíades, foi destruída pelos soldados, sendo que nessa fuga desesperada uma das filhas, tia-avó da realizadora, acaba como refugiada na Síria, impossibilitada para sempre de se juntar ao resto da família devido ao fecho das fronteiras.

Ao testemunharmos a história das quatro gerações desta família, uma família que não se deixa abater mas que tem as suas próprias convulsões internas, quando Hiam Abass se começa a sentir atrofiada num espaço tão fechado e resolve partir acentua ainda mais o drama das separações forçadas e o das fronteiras impostas pelo invasor, sendo comovente não só a reunião da família ao fim de tantos anos (em 2018), como ver os espaços das suas infâncias engolidos pelos colonatos (Deir Hanna) e controlados pelas tropas israelitas.

Não sendo um filme político, a realizadora rejeitou fazer dele um panfleto antiguerra, mas BYE BYE TIBERÍADE tem tanto de amor às quatro gerações de mulheres desta família, como tem de mensagem política, ao vê-lo talvez possamos compreender um pouco melhor o drama que as famílias palestinianas estão a viver, aproximando-nos um pouco mais dos seus corações, tornando-nos um pouco mais compassivos, as crianças de carne-e-osso que vemos inocentemente a brincar podem ser aquelas que agora morreram debaixo dos escombros de uma escola ou hospital, aquelas que para a generalidade de nós ocidentais têm sido apenas números distantes.

Voltando ao PERIFERIAS, este filme foi exibido na aldeia espanhola de La Fontañera, sendo que a tela estava do lado da fronteira, Espanha, e as pessoas que assistiam estavam sentadas em cadeiras postas do lado de cá, Portugal, trazendo uma simbologia fortíssima ao privilégio de que é podermos viver num mundo sem fronteiras, ou melhor, num mundo em que ambos os lados da fronteira são amigos.

Viva o Periferias, viva a raia, e salve-se a Palestina!

 

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