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BURRO VELHO

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02
Mai25

Dos filmes de que gostamos - Marcello Mio, de Christophe Honoré

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Muitos não saberão quem é Chiara Mastroianni, tão pouco que é filha de Marcello Mastroianni e de Catherine Deneuve, talvez para estes Marcello Mio seja um filme sem interesse nenhum, e está tudo certo, não podemos ter todos os mesmos interesses, mas para quem gosta de cinema e das coisas de cinema, Marcello Mio é um puro deleite.

O francês Christophe Honoré, realizador de filmes de que tanto gosto, como ‘Em Paris’ ou ‘Agradar, amar e correr depressa’, conseguiu fazer esta comédia ligeira de que tão subtil e despretensiosa parece simplória, mas em que para além de refletir sobre questões da nossa própria identidade, quem é que nós somos verdadeiramente, ainda é uma divertida sátira sobre o mundo dos atores.

Em Marcello Mio quase todos os atores fazem de si próprios, para além de Chiara e Deneuve, mãe e filha, temos ainda gente como Melvil Poupaud, Fabrice Luchini ou a realizadora Nicole Garcia, e é precisamente de Nicole Garcia uma das frases mais impactantes do filme, representa um pouco mais como Mastroianni, menos como Deneuve, frase carregada de duplo sentido, não só no sentido literal da forma como o ator interpreta, e vemos isso tão nitidamente naquela cena de casting, mas também no sentido de perceber quem nós podemos ser para além da sombra dos nossos pais, sobretudo quando estes deixaram uma herança pública tão forte.

Chiara Matroianni assume de forma absolutamente despojada que não é fácil ser herdeira de dois monstros, que não consegue escapar à dureza dos castings, e numa espécie de sonho telúrico, ou surto psicótico, encarna as vestes e os jeitos do seu pai consagrado, Marcello Mio é acima de tudo um belíssimo filme de homenagem e de memórias afetivas.

Nas salas de cinema.

14
Mar25

Dos filmes de que gostamos - O Romance de Jim, de Arnaud e Jean-Marie Larrieu

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O Romance de Jim, realizado pelos irmãos Arnaud e Jean-Marie Larrieu, é um melodrama familiar ao longo de 25 anos, um filme sobre a paternidade, a biológica e a afetiva, mas é também um filme do realismo, aquele que observa as vidas simples e triviais, o lado menos embonecado de quem vai trabalhar todos os dias para uma fábrica ou pastelaria, de quem vive longe das grandes cidades, no caso uma zona rural no Haut Jura, uma zona montanhosa perto da fronteira com a Suíça.

Não é só a história de Aymeric que se vê de repente a cuidar de um bebé que não é seu, o tal Jim que dá nome ao título, é sobretudo um filme sobre a bondade e as relações que as pessoas estabelecem entre si, afetos, e as pessoas não tem de ser más para fazerem mal às outras, às vezes os caminhos da vida é que não são fáceis e pelo meio todos fazemos asneiras.

A bondade e estoicidade do pai emprestado, interpretado pelo grande Karim Leklou (ganhou o César de melhor ator), vão perdurar nas nossas memórias.

Depois do frenesim dos Óscares, ir ao cinema e descobrir uma maravilha tão singela como este O Romance de Jim é uma felicidade, e o cinema francês nunca desilude.

 

11
Nov24

Dos filmes que amamos - A Vida Entre Nós, de Stéphane Brizé

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Assim que descobri quem eram os protagonistas do novo filme de Stéphane Brizé, consagrado realizador francês mais habituado a filmes de causas ditas sociais, soube logo que não podia perder este A Vida Entre Nós (Hors-Saison, no original) – o francês Guillaume Canet, que realizou um dos filmes da minha vida, e protagonizou outro, e a italiana Alba Rohrwacher, desde 2009 no topo das minhas atrizes favoritas, simplesmente maravilhosa em tudo o que faz.

A viver uma depressão e com uma crise existencial de meia-idade, o famoso ator cinquentenário Canet foge para uma pequena vila balnear na Bretanha, Quiberon, e por casualidade reencontra um velho amor, Rohrwacher, que abandonou 15 anos antes, e nesses 15 anos a vida continuou, as memórias apagaram-se, as feridas sararam, mas o desgosto de um grande amor deixa sempre uma cicatriz qualquer.

Hors-Saison é sobre as consequências das ações que tomamos ou deixamos de tomar, mas também daquelas que tomam por nós, é a história de um amor que não se vai mas que não encaixa na vida que avançou, vida que pode não ser perfeita em tudo mas da qual não podemos escapar, Hors-Saison é de uma tremenda melancolia romântica, sem possibilidade de um final feliz mas em que ambas as personagens aceitam a separação de forma mais redentora do que sofrida.

É um filme de silêncios, que observa, contempla, sorri, que respira devagar, ou muito me engano ou a maioria das pessoas deve achar que é aborrecido de morte, mas felizmente devo tê-lo visto no dia certo, para mim a melancolia de Hors-Saison é um dos melhores filmes do ano.

 

09
Nov24

Dos filmes que adoramos - Mais Do Que Nunca, de Emily Atef

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Mais Do Que Nunca, Plus Que Jamais no original, filme da realizadora franco-iraniana nascida na Alemanha, Emily Atef, é um filme dolorosamente triste, não sendo de todo lamechas e poupando-nos à crueldade explícita da morte, sobre como a aceitar e saber viver os últimos dias que nos restam, a dor do doente que tem de enfrentar a compaixão de quem o rodeia, a necessidade que Hélène tem de partir sozinha para bem longe para se conectar à natureza e não ser apenas uma pessoa condenada, e o sofrimento de quem a ama e não sabe como lidar com isso, que se sente rejeitado e impossibilitado de poder ajudar, de dar a mão, de aproveitar todos os minutos que ainda lhes restam juntos, bem-aventurados aqueles que não se revoltam com o fim anunciado e concentram a sua energia em serem donos do seu próprio destino,  procurando uma espécie de libertação, vivendo.

Como é dito algures, os vivos nunca entendem os moribundos, duro, mas entre a força de quem parte e o amor de quem deixa partir, Mais Do Que Nunca é também de um romantismo trágico deveras comovente, Krieps e Ulliel ficarão para sempre na história do cinema.

Vicky Krieps, a fabulosa atriz luxemburguesa que brilhou ao lado de Daniel Day-Lewis na obra-prima que é Linha Fantasma, é absolutamente fulgurante e magnética nesta Hélène vulnerável e plena de determinação, de uma intimidade naturalista quase visceral, acompanhada por um memorável Gaspard Ulliel, e de facto o tom de Mais Do Que Nunca é de tragédia, quando vemos no final a personagem de Ulliel partir estamos a ver Ulliel despedir-se, ele sim, da vida, foi a última cena que filmou, Gaspard Ulliel morreu ainda antes do filme se estrear nas salas de cinema, num acidente de esqui com 37 anos, ironicamente trágico.

 

14
Out24

Dos filmes de que gosto - Bernadette, de Lea Domenach

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Fui ao São Jorge ver Bernadette na Festa do Cinema Francês, que vai andar por todo o país até ao final de novembro.

Só coisas boas.

Ir ver um filme em Lisboa num cinema de rua e sem pipocas é uma raridade, e se for no belíssimo São Jorge o luxo ainda é maior.

No cinema francês encontramos sempre verdadeiras joias, seja um cinema mais autoral ou nas comédias que nos levam sempre às lágrimas, e esta Festa é uma excelente oportunidade para descobrirmos sempre um excelente filme, bem hajam os organizadores.

E o que eu me ri, de forma tão desbragada, a ver este Bernadette, que mood tão divertido, abençoado filme este em que Catherine Deneuve encarna a ex-primeira-dama francesa Bernadette Chirac, que começa como uma senhora da alta burguesia tonta e antipática, secundarizada e humilhada a toda a hora por todos, incluindo pela sua própria filha, mas no dia em que se farta de ser alvo de escárnio inicia todo um processo de vingança e torna-se uma das pessoas mais admiradas pelos gauleses, sendo Deneuve dona de um tempo de comédia absolutamente magistral, sempre uma rainha seja qual for o registo.

No fim tivemos a oportunidade de ter a realizadora, Lea Domenach, a responder a todas as perguntas colocadas pela plateia, enriquecendo-nos ainda mais com as suas ideias para este Bernadette, belo filme, belo serão.

 

30
Ago24

Dos filmes de que gostamos - A Linha, de Ursula Meier

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Ficamos logo atordoados com o início, não percebemos bem o que estamos a ver com tanta pancadaria encenada de forma tão teatral, começando-se logo a seguir a montar o puzzle, uma família disfuncional onde o ódio e o amor entre uma mãe e filha vacilam e alternam a cada instante, eu odeio-te mas não vivo sem o teu abraço, mas de facto entre pais e filhos não há linhas vermelhas que possam ser ultrapassadas, o amor umbilical permanece sempre lá.

Duas das irmãs são personagens tão complexas quanto estranhas e cativantes, muito convincentes, mas é a alegria desajustada, frágil e disparata da mãe, brilhante Valeria Bruni Tedeschi, que nos prende a cada cena deste insólito filme, A LINHA (La Ligne), da francesa Ursula Meier.

 

22
Mai24

Dos filmes que adoramos - O Sabor da Vida, de Ahn Hung Tran

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É um filme para os sentidos, é um filme que desperta em permanência o nosso olfato, paladar e visão, de tal forma que nem precisa de muitos diálogos, e os que existem são lindíssimos, é amor, amizade e poesia numa cozinha, é cuidar e amar à volta de tachos de cobre ou de uma horta na Borgonha francesa do século XIX, é um filme apaixonante este que foi o candidato francês ao Óscar de melhor filme internacional (e não o aclamado e extraordinário Anatomia de um Golpe). Juliette Binoche e Benoit Magimel, outrora casados na vida real, são magia pura.

 

23
Abr24

Dos filmes de que eu gosto - Retrato de Família com Teatro de Marionetas, de Philippe Garrel

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Seja por crescimento, doença ou morte, as famílias transformam-se, desagregam-se, multiplicam-se, a nossa célula familiar tal como a conhecemos desde a infância vai invariavelmente tornar-se noutra coisa qualquer, sendo esse processo por vezes gradual e feliz, noutras súbito e doloroso, convocando-nos para uma aceitação e para um luto que nem sempre o sabemos viver da melhor forma.

RETRATO de FAMÍLIA com TEATRO de MARIONETAS (Le Grand Chariot, no original), do realizador francês Philippe Garrel e com os seus 3 filhos como protagonistas (Louis, Esther e Léna), é um filme normal que fala duma família normal, unida pelo amor em vida e pelo amor na perda, no luto e no conflito entre largar o ninho ou preservar até ao último tostão todas as memórias do passado, um belíssimo filme por sinal.

 

10
Nov23

Dos filmes que vejo - Jeanne do Barry, de Maïween

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Vemos Jeanne du Barry - a história real de amor de um bonzinho Luís XV, le Bien-Aimé, com a sua amante preferida, a própria que dá o título ao filme -, mais ou menos com o mesmo prazer com que visitamos Versailles ou um qualquer museu do traje, com a beleza dos dourados e dos brocados próprios da época, mas para além do esplendor e da sua extrema beleza o filme tem vários outros méritos, Maïween é convincente na forma elegante e sensual, sem nudez mas com erotismo, como defende a sua cortesã, e além da bonita história de amor e de algumas curiosidades históricas, sobra ainda uma interessante luta de emancipação feminina numa altura que as mulheres, na melhor das hipóteses, eram simples objetos – falta-lhe algum fôlego mas Jeanne du Barry é sem dúvida alguma um filme simpático.

Johnny Deep, americano de gema como Luís XV num filme francês? Deep nunca será um grande ator mas a sua irreverência sempre gerou empatia, e em pleno rescaldo do seu escandaloso divórcio, só pode ter sido uma estratégia de marketing, e, aparentemente, bem sucedida.

 

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