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Desperdicei algum tempo no início de FUCK ME, espetáculo de dança autoficcional da coreógrafa argentina Marina Otero, a tentar perceber qual era a fronteira daquela lesão na coluna com a realidade (está mesmo entravada como diz estar?) e a questionar-me se a nudez em palco acrescentava alguma coisa ou se seria apenas gratuita ou para chocar, distraí-me alguns minutos com estes pensamentos e não entrei logo na peça, tão pouco o começo inusitado me prendeu de imediato, mas quando me concentrei no que estava a ver e ouvir em palco deixei-me levar por aquela torrente, um tumulto violento e uma fragilidade imensa.
Como li algures, FUCK ME alterna entre o documentário e a ficção, entre a dança e a performance, entre o acaso e a representação, e conta-nos a história de um corpo que envelheceu, que se destruiu, que secou, que se automutilou a dançar e que agora já não consegue dançar, que já não consegue nada, um corpo que mirrou e que apenas sobrevive, e que num jogo de espelhos se projeta e resolve dançar no corpo de cinco bailarinos, um corpo que se repete e que vive nos corpos desses bailarinos, causando no espetador alguma inquietação na indecisão se foca o seu olhar nos dançarinos em palco ou na dançarina que Marina Otero foi e que os écrans nos mostram por trás.
Se FUCK ME é uma história de destruição, uma história que ao invés da vitimização opta pela vingança, de uma mulher que se vinga dos homens, do avô da ditadura argentina e dos homens que a magoaram mas de quem ela soube aproveitar-se, FUCK ME é também uma história de regeneração, de renascer, mas FUCK ME é sobretudo dança, é vermos corpos fluídos a dançar, a exprimir tudo isto e sobretudo a expressaram sensualidade, corpos prenhes de uma intimidade visceral, de sexualidade, de sexo, e não, a nudez em palco não foi gratuita.
O espetáculo foi televisionado e transmitido pela RTP2 (atenção às boxes ou à RTP Play), estando eu muito curioso para ver se a experiência que sentimos ao ver no palco do CCB todo este tumulto, toda esta forma ousada e destemperada de nos escancararem a intimidade da artista, todas aquelas imagens poderosas que nos ficaram gravadas na pele, resulta igualmente no pequeno écran da televisão, ainda assim parabéns RTP por também programar espetáculos que arriscam e que são arriscados.