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BURRO VELHO

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20
Jun25

Das idas à Feira do Livro - Lisboa 2025

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Ir à Feira do Livro, já aqui perorei sobre as minhas idas à Feira do Livro - o que nos faz aguentar as filas e o calor para teimosamente irmos à Feira do Livro, quando os preços não são assim tão mais convidativos do que nas livrarias? Sim, eu sou daqueles que nunca faz grandes negócios, não sou bom a andar lá a esgravatar à procura de bons achados.

A resposta passa pela festa, pela algazarra, pelo frenesim à volta dos livros, pelo sítio bonito, por vermos caras conhecidas e autores a quem poder pedir um autógrafo, é imperdível, e as farturas no final, claro, é impensável não ir.

Este ano fui com apenas um livro na mira, vou lá comprar aquele, se por acaso encontrar aqueles outros dois também aproveito, mas é ir e vir embora, não me vou espalhar, pois bem, tá bem abelha – impõe a verdade que se diga que comprei de facto aqueles três desejados e os outros tiveram bons descontos, este ano quebrei o enguiço e fiz boas compras.

De vez em quando gosto de arriscar novos autores, sejam clássicos ou novatos, faço-o com gosto sempre que me oferecem um livro improvável, mas é-me difícil sair da bolha dos meus eleitos, sou-lhes fiel, demasiado, talvez, e nas minhas escolhas deste ano não ousei, não é desta que me vou aventurar por novos escritores ou escritoras.

Não estando minimamente preocupado em preencher quotas, notei, ainda assim, alguma diversidade nas minhas aquisições – maioritariamente homens com apenas duas mulheres (que muito admiro), metade dos autores estão vivos e metade já falecidos, a maioria dos livros foi escrita no século XX mas com alguns mais recentes, um deles acabadinho de ser lançado, oriundos de várias geografias e continentes, com predomínio dos anglo-saxónicos (não há como evitar), mas também com portugueses, um sul americano e uma francófona de origem marroquina a residir em Lisboa, achei interessante.

Gosto muito dos meus atores, destes e dos outros que andam lá por casa, e estou muito entusiasmado com as minhas próximas leituras, tão cedo não darei conta desta trupe.

E com o saco já tão pesado e a caloraça que estava, farturas nem vê-las.

 

18
Jun25

Dos meus livros - Afirma Pereira, António Tabucchi

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Afirma Pereira, de António Tabucchi, conceituado escritor italiano que viveu durante uns anos em Lisboa, ganhou pó nas estantes lá de casa durante mais de vinte anos, romance sempre adiado, mas finalmente chegou a sua hora, boa hora essa em que o resgatei da estante.

Li-o avidamente num dia de férias, e quando se lê 150 páginas duma escrita escorreita, mas sem pressas, que demora o seu tempo, é sinal de que estamos a gostar do que estamos a ler, e eu gostei, muito.

O senhor Pereira é um senhor de idade, viúvo, só, confortavelmente instalado na sua vida estabelecida num Portugal amordaçado do final dos anos 30, quando o fascismo grassa Europa fora, quando a Espanha está assolada pela guerra civil, quando os submarinos de Mussolini espalham a força, quando a nossa polícia política começa a pôr as garras de fora em sintonia com os ares ameaçadores daquele tempo, da supremacia ariana, esses ares em que já acreditámos, no pretérito, nunca mais voltar a respirar, nessa altura tudo o que o senhor Pereira fazia era traduzir os seus autores franceses, falar com o retrato da esposa, recordar a infância e esperar pela morte, tudo isso enquanto comia as suas omeletes com ervas e bebia as suas limonadas, sim, acompanhámos imensas vezes o senhor Pereira nas suas monótonas refeições, mas foi este rame rame que nos familiarizou com a essência do senhor Pereira, um homem bom, apolítico, que vivia no passado sem saber lidar com o presente nem pensar no futuro.

Até que dois jovens atrevidos e intrépidos lhe irrompem na sua pacatez, sempre os jovens a trazer a disrupção, e um médico modernaço e sensível lhe explica a teoria dos blocos, que todos nós somos um conjunto de blocos governados por um eu hegemónico, e que esse eu hegemónico pode mudar ao longo da nossa vida, desnorteando o nosso senhor Pereira, sobretudo por o tentar convencer que o passado deve ser apenas uma memória boa, mas que enquanto estivermos vivos deve ser no presente que devemos querer estar.

A própria construção da narrativa, com a fórmula Pereira afirma, reforça a forma como ficamos presos ao desenlace, dando um início quase bucólico - por uma Lisboa a derreter de calor - lugar a uma intriga política, em que há mistério, mas também há a transformação de um homem decente, que resiste ao opressor, porque podemos não ser capazes de combater o mal, podemos nunca ter essa coragem de que só alguns heróis dispõem, mas o nosso silêncio jamais será comprado – porque é que isto soa a tão assustadoramente atual?

Afirma Pereira é um belíssimo livro, e muito imagético, talvez por a ação se desenrolar nas ruas que qualquer lisboeta conhece, eu próprio fui vizinho vários anos da redação do senhor Pereira, salvo seja, sendo que este belíssimo livro daria certamente lugar a um belíssimo filme, ups, quase me esquecia, o filme já existe, foi realizado em 1995 por Roberto Faenza com o grande Marcelo Mastroianni a fazer de senhor Pereira, não vejo a hora de descobrir maneira de ver o filme.

 

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