Das coisas da política – Montenegro, a imobiliária e a moção de censura
A ideia da moção de censura ao Governo, por alegadas incompatibilidades de Montenegro, é simplesmente estapafúrdia, não cabe na cabeça de ninguém que o primeiro-ministro tenha feito passar a lei dos solos para ganhar uns trocos com a imobiliária da sua família, que, ao que parece, passou a incluir no seu objeto social a possibilidade da compra e venda de bens imobiliários já depois de tomar posse.
Dito isto, na minha opinião está tudo bem? Nem por sombras, estão várias coisas mal.
Para começar, assim que transmite as quotas de uma empresa para a família, cheira logo a esturro.
Apelando à ponderação que as palavras exigem, numa grande parte das situações em que se transmite, ficticiamente, as quotas de uma sociedade para alguém próximo, com ou sem uma procuração irrevogável a acompanhar, esta depende do grau de proximidade, está o caldo entornado.
Em muitas destas situações, o pretendido é contornar algum expediente, esconder algo, seja escapar a declarações de conflito de interesses, a dívidas, a penhoras de contas, evasão fiscal, ou outras coisas que tais, e usei palavras muito benevolentes, estou certo que se houvesse uma lei em que as conservatórias ou os notários tivessem de reportar ao ministério público as procurações irrevogáveis, e este tipo de transmissões, e muita trapaceirice seria impedida.
Mas então o homem não podia ganhar a vida antes de ascender ao cargo? Claro que sim, ninguém contesta que ganhe dinheiro, o que se põe em causa é opacidade de quem ocupa um dos mais altos cargos da nação, a função traz consigo coisas boas e menos boas, é todo um pacote, e quem exerce este tipo de lugares tem de ser escrutinável, e a partir do momento em que aprova leis e nomeia pessoas para cargos importantes, então, o país tem de saber qual a sua eventual teia de interesses, o país tem de saber quem é que no passado lhe deu a ganhar para agora poder avaliar se há, ou não, troca ilícita de vantagens.
Não sou a favor que se enxovalhe a vida privada e profissional dos nossos políticos, isso só afasta aqueles de quem o país precisa, mas não confundamos as coisas, não é isto de que se trata aqui, o que se trata aqui é que Montenegro procurou lavar as mãos ao passar as quotas para a mulher e filhos, e agora não presta esclarecimentos, o que é que achava que ia ganhar com essa cedência? Ou o que é que achava que ia conseguir esconder?
E que história é esta do novo secretário de estado que foi buscar à Câmara de Vagos, que o contratava para a prestação de serviços, quais, quando, quanto? O primeiro também acha que nada deve explicar sobre o assunto, não é? Achará, por ventura, que a sua superioridade moral é absoluta e como tal acima de qualquer pergunta?
O que mais me desagrada em Montenegro é a sua postura esfíngica, impenetrável, de sobranceria perante os portugueses e jornalistas pois entende que nunca lhes deve explicar nada, essa estratégia de marketing político de nunca nada dizer para não se comprometer ou ser apanhado em falso, mas nunca me pareceu ser pouco inteligente, isso não lho nego, então como compreender este mutismo?
Às vezes o peito inchado de quem acha que tudo pode, não dá os melhores resultados, o futuro o dirá.