Da tragédia da Palestina e do milagre do cinema - festival Periferias e Bye Bye Tibériade
O festival de cinema de Marvão – PERIFERIAS – é um evento com várias dimensões, arte, direitos humanos e ecologia, mas é sobretudo uma montra de filmes independentes que possibilita às gentes da raia ver filmes que normalmente não lhes estão acessíveis, procurando assim trazer públicos novos para o cinema e sendo uma fonte de cultura para quem vive e visita esse paraíso que são as terras da Serra de São Mamede.
Os filmes são projetados normalmente ao ar-livre e sempre em sítios muito especiais, como pátios de castelos, estações de comboios, lagares de azeite, cidades romanas ou praças públicas, localizados ou no concelho de Marvão ou da cidade vizinha do outro lado da fronteira, Valência de Alcântara.
Um dos filmes exibidos foi BYE BYE TIBERÍADE, da jovem realizadora francesa Lina Soualem, que quis oferecer à sua mãe este documentário, Hiam Abbass, atriz franco-palestiniana consagrada e conhecida de todos, por exemplo da série Succession.
O filme acompanha quatro gerações de mulheres e recua até 1948, altura da fundação do estado de Israel e da expulsão dos bisavós da realizadora da sua casa, quando a sua aldeia, junto do lago Tiberíades, foi destruída pelos soldados, sendo que nessa fuga desesperada uma das filhas, tia-avó da realizadora, acaba como refugiada na Síria, impossibilitada para sempre de se juntar ao resto da família devido ao fecho das fronteiras.
Ao testemunharmos a história das quatro gerações desta família, uma família que não se deixa abater mas que tem as suas próprias convulsões internas, quando Hiam Abass se começa a sentir atrofiada num espaço tão fechado e resolve partir acentua ainda mais o drama das separações forçadas e o das fronteiras impostas pelo invasor, sendo comovente não só a reunião da família ao fim de tantos anos (em 2018), como ver os espaços das suas infâncias engolidos pelos colonatos (Deir Hanna) e controlados pelas tropas israelitas.
Não sendo um filme político, a realizadora rejeitou fazer dele um panfleto antiguerra, mas BYE BYE TIBERÍADE tem tanto de amor às quatro gerações de mulheres desta família, como tem de mensagem política, ao vê-lo talvez possamos compreender um pouco melhor o drama que as famílias palestinianas estão a viver, aproximando-nos um pouco mais dos seus corações, tornando-nos um pouco mais compassivos, as crianças de carne-e-osso que vemos inocentemente a brincar podem ser aquelas que agora morreram debaixo dos escombros de uma escola ou hospital, aquelas que para a generalidade de nós ocidentais têm sido apenas números distantes.
Voltando ao PERIFERIAS, este filme foi exibido na aldeia espanhola de La Fontañera, sendo que a tela estava do lado da fronteira, Espanha, e as pessoas que assistiam estavam sentadas em cadeiras postas do lado de cá, Portugal, trazendo uma simbologia fortíssima ao privilégio de que é podermos viver num mundo sem fronteiras, ou melhor, num mundo em que ambos os lados da fronteira são amigos.
Viva o Periferias, viva a raia, e salve-se a Palestina!