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BURRO VELHO

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20
Ago24

Da tragédia da Palestina e do milagre do cinema - festival Periferias e Bye Bye Tibériade

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O festival de cinema de Marvão – PERIFERIAS – é um evento com várias dimensões, arte, direitos humanos e ecologia, mas é sobretudo uma montra de filmes independentes que possibilita às gentes da raia ver filmes que normalmente não lhes estão acessíveis, procurando assim trazer públicos novos para o cinema e sendo uma fonte de cultura para quem vive e visita esse paraíso que são as terras da Serra de São Mamede.

Os filmes são projetados normalmente ao ar-livre e sempre em sítios muito especiais, como pátios de castelos, estações de comboios, lagares de azeite, cidades romanas ou praças públicas, localizados ou no concelho de Marvão ou da cidade vizinha do outro lado da fronteira, Valência de Alcântara.

Um dos filmes exibidos foi BYE BYE TIBERÍADE, da jovem realizadora francesa Lina Soualem, que quis oferecer à sua mãe este documentário, Hiam Abbass, atriz franco-palestiniana consagrada e conhecida de todos, por exemplo da série Succession.

O filme acompanha quatro gerações de mulheres e recua até 1948, altura da fundação do estado de Israel e da expulsão dos bisavós da realizadora da sua casa, quando a sua aldeia, junto do lago Tiberíades, foi destruída pelos soldados, sendo que nessa fuga desesperada uma das filhas, tia-avó da realizadora, acaba como refugiada na Síria, impossibilitada para sempre de se juntar ao resto da família devido ao fecho das fronteiras.

Ao testemunharmos a história das quatro gerações desta família, uma família que não se deixa abater mas que tem as suas próprias convulsões internas, quando Hiam Abass se começa a sentir atrofiada num espaço tão fechado e resolve partir acentua ainda mais o drama das separações forçadas e o das fronteiras impostas pelo invasor, sendo comovente não só a reunião da família ao fim de tantos anos (em 2018), como ver os espaços das suas infâncias engolidos pelos colonatos (Deir Hanna) e controlados pelas tropas israelitas.

Não sendo um filme político, a realizadora rejeitou fazer dele um panfleto antiguerra, mas BYE BYE TIBERÍADE tem tanto de amor às quatro gerações de mulheres desta família, como tem de mensagem política, ao vê-lo talvez possamos compreender um pouco melhor o drama que as famílias palestinianas estão a viver, aproximando-nos um pouco mais dos seus corações, tornando-nos um pouco mais compassivos, as crianças de carne-e-osso que vemos inocentemente a brincar podem ser aquelas que agora morreram debaixo dos escombros de uma escola ou hospital, aquelas que para a generalidade de nós ocidentais têm sido apenas números distantes.

Voltando ao PERIFERIAS, este filme foi exibido na aldeia espanhola de La Fontañera, sendo que a tela estava do lado da fronteira, Espanha, e as pessoas que assistiam estavam sentadas em cadeiras postas do lado de cá, Portugal, trazendo uma simbologia fortíssima ao privilégio de que é podermos viver num mundo sem fronteiras, ou melhor, num mundo em que ambos os lados da fronteira são amigos.

Viva o Periferias, viva a raia, e salve-se a Palestina!

 

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14
Ago23

Das coisas bonitas - Periferias

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Bravas são as gentes e associações que pelo nosso país fora promovem a descentralização, e muito interessante a forma como as raias dialogam, o Periferias é um excelente exemplo disso, o festival de cinema de Marvão, integrando agora também Valência de Alcântara, município pertencente à vizinha Cáceres.

Procura implantar uma cultura de cinema criando um público mais consciente, em contacto com a arte, a diversão e o pensamento crítico, e assim se juntaram as vertentes de ambiente e direitos humanos.

Citando o Rui Pedro Tendinha, é um festival de pessoas e de afetos cinéfilos, onde em espaços ao ar-livre como castelos, ruínas da cidadã romana, estações de comboios, lagares, museus, praças, piscinas, centros culturais, tudo sítios muito bonitos, podemos conviver com gente giríssima e assistir a concertos, exposições, discussões, fazer percursos, e claro, cinema de autor de primeiríssima qualidade. Viva o interior, viva a raia alentejana, viva o cinema, e longa vida ao Periferias. Parabéns!

 

27
Mai23

Dos lugares de que eu gosto - restaurante Fago

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Marvão tem mil e um encantos, é terra encantada, e o restaurante Fago é mais um de muitos motivos que nos faz querer sempre voltar, é um restaurante de excelência.

Os outros restaurantes que encontramos dentro das muralhas têm vistas esplêndidas, o Fago tem uma única janela que dá para um muro, quem vai ao Fago vai unicamente pela experiência de saborear a comida e os vinhos que lhe são servidos, com a maior simpatia e atenção.

O menu é simples e o chef Diogo varia-o todos os dias em função dos produtos da época e do que se encontra no mercado, a aposta é em tudo o que é local e evitar o que vem de longe, o azeite, o pão, a manteiga aromatizada com a esteva da serra, a compota de figo, o borrego, a carne de porco preto de Arronches, as ervilhas, os ovos, o queijo, as cerejas de São Julião, o gelado caseiro de abóbora, e a ginjinha do Crato, minha Nossa Senhora, e eu que detestava ginjinha mas esta é de repetir várias vezes, pena ainda não se pescar bacalhau no rio Sever, mas quase só com produtos da Serra de São Mamede e do Alto Alentejo é uma festa estar ali à mesa – a carta de vinhos, também exclusiva dali com vinhos do Reguinga, do Vitor Claro, da Susana Esteban e o Dominó, tão elogiado no filme Viver Mal, é outro festival.

E onde tudo é simples e nada rococó, nada é sem requinte, o copo Costa Nova, o talher pesado e elegante, o guardanapo rosa velho num tecido de qualidade, o artesanato minimalista na parede conjugado com o candeeiro de design, tudo assente num chão artesanal, também do Alto Alentejo, que custou aos proprietários uns valentes pares de dias ali de rabo para o ar para deixar tudo num brilho.

Dizem os donos que não é um espaço a pensar nos turistas, é um espaço a pensar nos amantes da região, a pensar também nos outrora turistas mas que se apaixonaram e quiseram deixar de o ser, como o casal da mesa ao lado, a Karen e o Dick, ela Nova Iorquina, ele de Amsterdão mas há 45 anos nos States, há seis anos e meio quiseram vir para a Europa, Inglaterra não era opção por causa do Brexit, a Holanda também não, escolheram Lisboa, venderam o apartamento de Manhattan (mantêm uma casa a 100 milhas de Nova Iorque) e vieram para o Chiado, passam quatro meses por ano em Portugal, mas descobriram Marvão e apanharam o comboio até ao Entroncamento, depois até Portalegre e vieram, a viagem é linda, dizem, uma introdução de três horas ao que lhes espera, vieram e ficaram, não na quinta que queriam em Galegos, uns franceses ficaram com o negócio, mas descobriram outra ainda melhor em Alegrete, e agora vão de três em três semanas a Lisboa ver arte e conhecer restaurantes, mas o restaurante que mais gostam é o Fago, mas o que mais gostam mesmo é dos portugueses, é sem dúvida o povo mais simpático do mundo, ‘for sure, by far’, difícil é aprender português, a Karen já se desenrasca muito bem para se entender com os pedreiros das obras, para o Dick mais difícil, aprender línguas estrangeiras nos sessentas não é pera doce, a memória já falha, e a Karen até estava a ter uma noite má, na verdade até estava muito irritada, estava a dois dias de vender a empresa dela nos States e os compradores durante o jantar mandaram um email a fazer alguns pedidos adicionais, apetecia-lhe mandar parar tudo, beba mais duas ginjinhas do Crato e amanhã responde, sugerimos nós, that’s ok, disse-lhe o Dick, mas as ginjinhas beberam-se na mesma, really nice to meet you, vemo-nos em Julho, no Festival, já todos temos bilhetes comprados, não seja o Daniel parte da organização.

Como não desejar voltar e voltar?

 

12
Abr23

Das coisas bonitas - FIMM

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FIMM

 

Marvão é um sítio encantado, não só por ser uma das nossas vilas mais bonitas, pela sua riqueza arquitetónica, arqueológica e geológica, pelo envolvimento do Parque Natural da Serra de São Mamede, pelo seu silêncio, mas também por um conjunto de eventos muito especiais que por lá acontecem, nomeadamente o FIMM – Festival Internacional de Música de Marvão.

Há quase dez anos atrás, um casal alemão apaixonou-se por estas paragens (quem não?) – ele, Christoph Poppen, maestro, ela, Juliane Banse, cantora – e sonhou em organizar um festival de música clássica do mais alto nível artístico a nível mundial, neste Marvão paradisíaco, e seguindo o mote de Sebastião da Gama, pelo sonho é que foram e fundaram este magnífico festival.

Graças à sua prolífera rede de amigos e à custa de muita carolice, e com o apoio da Orquestra da Gulbenkian, têm convidado e trazido todos os anos ao festival todo um conjunto de músicos de palmarés internacional que, não fosse pela paixão do projeto, não atuariam certamente em Portugal, e todos nós é que ficamos a ganhar com esta dádiva.

Conseguem imaginar o que é assistir a um concerto de música clássica ou de câmara, às vezes com uns toques de outras influências, como fado, jazz ou música mais espiritual, no pátio de um castelo, numa cisterna, igreja ou nas ruínas duma cidade romana?

Marvão não fica ali ao lado, mas acreditem que no final de julho compensa largamente os muitos quilómetros de distância e que este FIMM é mesmo inesquecível, afinal Portugal não é só Lisboa, Porto e litoral.

Por aqui, já cá cantam os bilhetes que isto é coisa para esgotar rápido.

Vielen Dank Frau Banse und Herr Poppen.

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