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BURRO VELHO

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30
Out24

Dos meus livros - Less, de Andrew Sean Greer

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LESS, do escritor californiano Andrew Sean Greer, vencedor do Prémio Pullitzer em 2018, é um romance divertido ou satírico, como preferirem, escrito (muito bem escrito, diga-se) de forma leve e despretensiosa, sobre Arthur Less, um escritor falhado, sem dinheiro e prestes a fazer 50 anos, que, para fugir ao casamento do seu ex-namorado, resolve aceitar todo o tipo de convites para eventos literários e foge para o outro lado do mundo, é a história de um falhado, rodeado de egos gigantes, que parece não aceitar o seu envelhecimento mas que parodia com a sua vaidade e ansiedade da forma que só aqueles que se riem de si próprios sabem fazer, sem autocomiseração, um sedutor com graça.

Nesta história em que todos falham, sem vidas perfeitas, em que as pequenas desgraças se sucedem, em que as personagens têm medo de chegar aos 50 e convencem-se que têm de desistir do amor e começar a engordar convictamente, há espaço para a ingenuidade de quem afinal nunca deixou de acreditar no amor e na felicidade, há espaço para aqueles que abandonam grandes feitos e resgatam para si a alegria que os derrotados aprendem a reconhecer nas pequenas coisas, na monotonia das pequenas mundanidades e no conforto de termos alguém à nossa espera, encantadora esta sabedoria dos 50 anos.

 

24
Mar24

Dos livros de que eu gosto - A Zona de Interesse, de Martin Amis

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Quando há algum tempo li que o livro de Martin Amis sobre o holocausto, A Zona de Interesse, estava a ser adaptado ao cinema fiquei logo entusiasmado por ver o filme e ler o livro - não tanto o tema do holocausto em si, mas, sobretudo, a herança que quem o perpetuou teve de carregar nas gerações seguintes, é algo que sempre me despertou muito interesse.

Para não correr riscos de defraudar expetativas, resolvi aguardar pelo filme e só depois ler o livro, sendo que o filme - com argumento adaptado pelo próprio Amis – é, de facto, apenas levemente inspirado no livro, são objetos muito distintos, e os dois absolutamente extraordinários, diga-se.

O estilo habitual do autor da trilogia de Londres, divertido e contundente sobre os vícios e os podres da sociedade contemporânea, dificilmente é reconhecido neste livro, apesar de ter lido algures que A Zona de Interesse é também uma comédia, afirmação com a qual estou em total desacordo, não consegui nele encontrar quaisquer vestígios de diversão, humor ou entretenimento, tão pouco de sátira, aliás, das poucas similitudes entre livro e filme é precisamente a sua carga pesada, a opressão que sentimos, daí ser um livro que tive de ler especialmente devagar, entre cada vez que pegava no livro e a seguinte precisava de alguns dias longe do livro, precisava de respirar melhor para voltar a ele.

Neste confronto com o horror indizível, com a forma como quase toda uma nação foi cúmplice, ou mesmo autora, da solução final, como não só os militares mas também as suas mulheres em casa festejavam com os charutos e com os visons roubados aos judeus enfiados nas câmaras de gás, como toda esta gente banalizou o mal supremo que podemos conhecer, há espaço para uma história de amor, um amor que não floresceu durante a guerra e quando, após a rendição alemã e a condenação de muitos nazis, poderia ter sido vivido livremente entre Hannah e Joseph, eles próprios também nazis altamente implicados no regime, Hannah cortou cerce a Joseph qualquer esperança que aquele amor alguma vez acontecesse: “Imagine quão repugnante seria se algo de bom saísse daquele lugar” – quem, com um mínimo de consciência e de moral, seria capaz de ousar a viver uma coisa boa que tivesse brotado na envolvência daqueles campos de extermínio?

 

14
Out23

Dos meus livros - Amor & C.ª, de Julian Barnes

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O enredo de Amor & C.ª (Taking it over, no original) pode não nos suscitar à partida grande entusiasmo, um triângulo amoroso em que cada personagem nos relata por voz própria a sua visão da história, mas Julian Barnes concilia como ninguém a leveza e a graça com uma profunda e acutilante capacidade de observar as pessoas em ínfimos detalhes, pessoas capazes do amor, da sedução, da mentira, da humilhação, do desespero, pessoas presas a um passado plenas de nuances e ambivalências, que se repetem nas falhas, pessoas avisadas mas que se reinventam na procura desse amor ou que caiem sucessivamente na sua armadilha, como preferirem, pessoas que procuram o amor a prazo e outras que se convertem ao amor imediato, sem juros.

Com uma escrita fluída, divertida e intimista, que nos entretém e convoca ao mesmo tempo as nossas vivências, Amor & C.ª é um dos melhores livros de Barnes (e Barnes só tem livros bons), quase ao nível de A única história e O sentido do fim.

 

18
Ago23

Dos meus livros - Dinheiro, de Martim Amis

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Só agora com a sua morte recente é que cheguei a Martin Amis e a um dos famosos livros da sua trilogia, Dinheiro (Money).

Considerado por muitos o melhor escritor inglês do século XX, admito que me rendi incondicionalmente e quero regressar rapidamente à sua escrita, uma escrita elegante das elites de Oxford que escreve tão bem e tão mal ao mesmo tempo, bem pela graça, ritmo e contundência, mal porque aquelas linhas escritas estão carregadinhas dos vícios do auge capitalista dos anos 80 do século passado, dinheiro, álcool, pornografia, fast food, drogas e lascívia, vícios esses que a cultura woke dos nossos dias não afasta. Brilhante.

Curiosamente, no dia da sua morte (19 de maio) estreou em Cannes um filme escrito por si - The zone of interest -, sobre a bucólica vida da família de um comandante nazi de Auschwitz, cujo jardim confina com o fatídico campo, a inocência lado a lado com o horror. Em pulgas para ver, até porque estes temas do nazimo e da banalidade do mal interessam-me sempre muito.

 

14
Jul23

Dos meus livros - O Quarto do Bebé, de Anabela Mota Ribeiro

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Sempre fui algo ambivalente em relação à Anabela Mota Ribeiro, há muitos anos que acompanho o seu trabalho e se globalmente aprecio, logo a seguir embirro com ninharias, às vezes interrogava-me mesmo se era genuíno ou pose, se não havia ali nada de fake.

Há uma clara similitude com a escrita de Annie Ernaux, de quem Anabela é devota e confessadamente admiradora, encontro em ambas a mesma forma de escrita e o mesmo propósito de escrita, o que para mim é um ótimo princípio sendo eu, também, um confesso entusiasta de Ernaux.

Aos meus olhos ‘O Quarto do Bebé’ não é um livro feminista, é sem dúvida um livro de grande sensibilidade feminina e sobre a condição feminina, que dá um chuto na vergonha e na culpa e nos oferece uma autoficção totalmente despudorada da doença, da fragilidade, do corpo, das origens (comoveu-me particularmente sempre que Ester do Rio Arco fala da mãe), do privilégio, com uma linguagem muito simples mas que denota um gosto esmerado por escolher sempre a palavra certa.

E sim, os bons cocós devem ser sempre celebrados.

É um livro imersivo, delicado, cru e, acima de tudo, bonito, muito bonito, e tão bem escrito.

 

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