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BURRO VELHO

BURRO VELHO

07
Fev25

Do teatro que vejo - A Médica

BURRO VELHO

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Há uma velha máxima que cai que nem uma luva nesta peça, A Médica, menos é mais.

Ricardo Neves-Neves, nesta encenação para o Teatro da Trindade, com base num texto de Robert Icke, quis meter o Rossio na Betesga, que é como quem diz, não conseguiu conter a ambição de abordar todos os temas, esbardalhando-se por isso ao comprido.

Partiu de uma premissa interessantíssima, a ética no exercício da medicina e o confronto da integridade de um médico com o ar dos tempos, da necessidade de engolir sapos para se ter sucesso na carreira, o mediatismo, e o principal de tudo, o respeito pelo doente, estes temas são o mote da peça e por aqui se devia ter ficado.

Sociedade patriarcal, discriminação da mulher, racismo, apropriação cultural, wokismo, religião, aborto, homossexualidade, saúde mental, transgénero, redes sociais, mediatização e informação espetáculo, parece que todas as causas ativistas tinham de ter uma deixa no texto, só lhe faltou a proteção da formiga do Burkina Faso em risco de extinção, e assim se perdeu profundidade naquilo que era o ponto de partida, a ética do médico e o doente.

A peça também está todo ela assente numa ideia de que a igreja católica é, em uníssono, retrógrada e preconceituosa, e, por defeito, os médicos católicos antiaborto, uma visão redutora, alguma ambivalência ou discussão enriqueceriam certamente o texto.

Ainda assim, o texto tem vários momentos interessantes, alguns com mais profundidade, outros com mais graça, e vemos A Médica sempre com satisfação, até porque a encenação é bem conseguida (a indefinição do nome, do género e da raça das personagens é muito bem conseguida), com um naipe de atores extraordinário, se Inês Castel-Branco não tem unhas para este campeonato, todos os outros são brilhantes, desde logo a maravilhosa Custódia Gallego, mas também Adriano Luz, Rita Cabaço, Sandra Faleiro, Pedro Laginha e muitos outros.

 

07
Jan25

Do teatro de que gosto - Não Vos Arrancarei a Língua

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“Não Vos Arrancarei a Língua – momentos há em que as palavras nos abandonam”, é uma encenação de Bruno Bravo com base num texto de Patrício Torres, é difícil de catalogar, será comédia? Nonsense? Não tem diálogos lineares fáceis de acompanhar, estranha-se, e entranha-se, entranha-se-nos em nós este casal de idosos, dementes talvez, que num discurso pouco coerente vai recordando episódios soltos, alguns traumáticos, de quando eram um casal novo e fogoso, ou de quando terão perdido um bebé, ou as pequenas rotinas que se vão repetindo até a (falta de) memória tornar tudo difuso, com mais sombras do que luz, por isso começamos a rir com Não Vos Arrancarei a Língua, mas no final saímos meio desconcertados e com algo a apertar-nos a alma, o que é mais ou menos o mesmo que dizer que vale muito a pena ir ver esta peça.

Gostei muito da dupla de atores que desconhecia, André Pardal e Rita Correia, com uma nota de destaque para os cenários. No Teatro Aberto.

 

09
Dez24

Do teatro que adoro - Marco Martins, A Colónia

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É um dever recordar o sofrimento de quem lutou contra o fascismo, todos temos esse dever, em tempos tão instáveis, de recordar e repetir a voz de quem sofreu nas mãos dos fascistas.

No final do antigo regime, por iniciativa da Amnistia Internacional, Cruz Vermelha e Católicos Progressistas, organizavam-se algumas colónias de férias para crianças cujos pais eram presos políticos, e por antes terem tido de viver na clandestinidade, essas colónias era quase sempre a primeira vez que essas crianças aprendiam a brincar com outras crianças, crianças que tinham crescido no silêncio e na sombra do medo dos pais serem apanhados pela Pide, Marco Martins – A Colónia centra-se numa dessas colónias, realizada em 1972 nas Caldas da Rainha, a partir de uma reportagem da jornalista do Expresso Joana Pereira Bastos.

O texto percorre as suas memórias, recuperando episódios, cartas, desenhos, relatórios oficiais, pedidos censurados, registos públicos e privados daqueles pais presos em Caxias ou no Forte de Peniche, estando a personagem principal, Manuela, sentada em carne e osso de costas para o público, a pedir aos atores que nos iam contar a história para não serem muito dramáticos, era tudo o que lhes pedia, mas como não ser?

E durante a peça, com um pequeno coro de crianças que com o B Fachada vão cantando canções simples e de intervenção, tal como aquelas crianças terão feito em 1972, aos poucos vão-se reunindo em palco algumas dessas então crianças, tal como uma das educadoras, na altura com 21 anos, partilhando connosco tão generosamente as suas histórias, sempre em planos entrecruzados pela sua voz própria e a dos quatro atores profissionais, João Pedro Vaz, Sara Carinhas, Ana Vilaça e Rodrigo Tomás, momentos intimistas porque nunca é fácil recordar a dor de ver os pais presos e torturados, nunca é fácil a dor das privações que sofreram para os pais lutarem pela democracia, sendo que no decurso da peça, a frágil Manuela Canais Rocha, hoje professora de geografia no Barreiro, filha de Francisco Canais Rocha e de Maria Rosalinda Labaredas, do Couço, já se tinha virado para o público e assumido as rédeas da homenagem aos seus pais, quer cantando o Hino de Caxias, quer recreando um teatro de marionetas representado na Colónia.

A comoção que senti não foi comparável ao vendaval de inquietação de Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, encenação de Tiago Rodrigues que acabou de ser considerada pela revista Vulture a melhor peça exibida em Nova Iorque em 2024 – bravo! -, mas acabei a peça a ovacionar de pé com os olhos marejados de lágrimas, acabei a peça a olhar para uma plateia da Culturgest de olhos em água a cantar fascismo nunca mais, foi tudo muito emotivo e sentido, desde logo com a presença cimeira de Conceição Matos e Domingos Abrantes, dois resistentes que nos enternecem só com o ar que respiram, mas também com pessoas desconhecidas ao meu lado que provavelmente estiveram numa dessas colónias, quiçá mesmo presas até, a energia coletiva daquela sala emocionada foi algo de que sempre recordarei, foi muito bonito.

 

22
Out24

Dos espetáculos que vejo - Dear Evan Hansen

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Tinhas as expetativas em alta, convenci-me que nada podia falhar neste DEAR EVAN HANSEN, a adaptação portuguesa em cena no Maria Matos, um muito premiado musical da Broadway, daqueles inspiracionais com músicas catitas, da malta que compôs o La La Land, e que no final nos deixa com um sorriso nos lábios, com o bónus de ter a Gabriela Barros no elenco de quem eu tanto gosto, pois bem, um verdadeiro fiasco.

Torci logo o nariz na primeiríssima cena, a forma frenética e apatetada como o protagonista teclava no computador, e esse foi o tom de todo o espetáculo, pateta e infantil, com os versos das canções carregadinhos de palavras que não encaixavam com a métrica das melodias, até eu ficava sem respirar ao tentar, sem sucesso, perceber o que os jovens atores estavam a cantar, um som péssimo, inaudível, sobretudo quando a banda em palco tocava ao mesmo tempo.

Não posso dizer que o elenco juvenil seja canastrão ou que desafine a cantar, mas não funciona de todo, sem qualquer carisma e incapazes de construir uma dinâmica de grupo que entusiasme, os (secundários) irmãos Zoe e Connor esforçam-se mas sozinhos não é suficiente, enquanto que os adultos da sala são um erro de casting, eufemisticamente falando, Gabriela Barros, filha, que fazes tu aí a desperdiçar tanto talento.

Salvou-se a temática, a solidão e o bullying, a depressão e o suicídio na adolescência, tudo o que nos ponha a falar uns com os outros sobre isto é positivo, mas quando pago um bilhete para ir ver um musical ao Maria Matos espero ir ver um espetáculo de primeira, o que me deram a ver foi uma festa de natal de um colégio mais investido, não foi bom.

 

21
Out24

Dos espetáculos de que gosto - Class Enemy

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Um cheiro opressor na sala, um cenário desarrumado, escuro, não se percebe bem o que é, uma cave esquecida de uma qualquer escola de um subúrbio complicado, seis garotos a dar pontapés numa bola, balázios com força que com sorte ainda te acertam em cheio, uma música estridente tocada ao vivo que te buzina ouvidos dentro, asneiredo, impropérios fortes que começam como reações aos xutos na bola mas que rapidamente se transformam na pouca linguagem que estes rapazes têm para se exprimir, uma linguagem violenta que por vezes é um dialeto difícil de acompanhar, lixo acumulado, cuspidelas para o chão, calças descaídas, coçadelas nos genitais, o ambiente é hostil, gera-te desconforto, não te deixa sentar refastelado na cadeira e prende-te à revolta destes seis miúdos em guerra, vítimas e agressores ao mesmo tempo, rejeitados pela escola que não sabe o que fazer com estes alunos problemáticos do nono ano, e esquecidos pela sociedade, alguns mesmos pela família, garotos que comem pão com alho porque simplesmente num dia bom só há alho para misturar com o pão, adolescentes revoltados que se esquecem que há um verbo gostar para pequenas coisas como cuidar de um vaso com uma planta, adolescentes que preferem ser esquecidos na cave de uma escola que os maltrata, do que ir para casa em que são maltratados pelos próprios pais quando estão estes em casa, que diacho de peça esta que nos confronta com a vida difícil destes miúdos que por vezes se cruzam connosco com poses provocadores numa qualquer esquina da cidade.

Quando um dos miúdos, o coxo, atribui as culpas da miséria que o rodeia aos imigrantes, pretos e ciganos, o grupo insurge-se contra ele - até porque um deles também é preto, o Pito – e enfiam-no num balde de lixo, quando estás na merda é fácil deixares que te enfiem mais na merda, e é notável a compaixão que aquele garoto racista gera em ti, ouvi-lo num pranto a queixar-se que nada tem, e se lá a casa nada chega é porque alguém lhes roubou aquilo a que tinham direito, afeto, calças de ganga, comida, dinheiro, salários, e se alguém lhes roubou os salários, dinheiro, comida e até umas calças de ganga, então só podem ter sido os imigrantes, os pretos e os ciganos.

Com encenação de Teresa Sobral a partir de uma peça inglesa escrita em 1978 por Nigel Williams, CLASS ENEMY é daquele teatro que perdura em ti depois de saires porta fora, é teatro que te faz sentir e pensar.

No São Luíz até dia 27 de outubro. Gostei mesmo muito.

 

PS: Faz mesmo sentido, ou é só politicamente correto, ter dois intérpretes de linguagem gestual escondidos num canto, como é que alguém consegue ter um campo visual que permita vê-los em simultâneo com o que se passa na boca de cena?

 

16
Jul24

Da (falta de) cultura na cidade de Lisboa - Adeus Politécnica

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O Teatro da Politécnica foi nestes últimos 13 anos a casa emprestada dos Artistas Unidos, ali à entrada do jardim Botânico, na Rua que deu o nome ao Teatro, da Escola Politécnica, onde eu e tanta gente assistimos a dezenas de peças, sempre à pinha, quase sempre com o seu fundador Jorge Silva Melo por ali a verificar tudo, um sítio muito especial onde era oferecido à comunidade textos e encenações de excelência, aonde a cultura era acessível a módicos preços, diga-se.

Mas acabou-se, por ora, acreditemos, o que era doce, os Artistas Unidos foram hoje despejados pela proprietária do espaço, morte há muito anunciada, a Universidade de Lisboa, que quer ali instalar um museu, provavelmente alguma extensão do vizinho Museu de História Natural, desconheço – é questionável do ponto de vista da fruição pública o que será mais importante para a cidade, se um teatro com o calibre dos Artistas Unidos, ou se um museu, mas ainda vivemos num país em que a propriedade é privada e respeitada, e como tal assiste todo o direito à Universidade de Lisboa, e isso é absolutamente inquestionável.

Mas e o Senhor Presidente da Câmara de Lisboa, Dr. Carlos Moedas? Hein? Em que é que ficamos, enchemos a boca para anunciar em grandes parangonas durante as eleições um teatro em cada bairro, o que muito louvamos, mas ao mesmo tempo abandonamos os Artistas Unidos?

Infelizmente, tal não nos surpreende, o Senhor Presidente passa tempo demais a pensar em soundbytes e pouco a viver a cultura da cidade, algo que devemos exigir ao edil da capital, note-se, senão saberia a importância do aqui está em jogo e há muito que já tinha diligenciado uma solução, e mesmo que um dia a promessa do edifício d’ A Capital venha a ser cumprida, assim esperemos, é preciso uma solução já, até porque se no final do ano a Companhia continuar sem uma casa perde automaticamente os apoios da DGArtes, o que seria?

Uma lástima Senhor Presidente Moedas, uma lástima!

 

09
Jul24

Do teatro de que gosto - Um elétrico chamado desejo, pela Primeiros Sintomas

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Quando há muitos anos visitei o Rio de Janeiro fiquei deslumbrado com os muitos teatros de vão de escada, em caves ou rés-de-chão de prédios anónimos, com meia dúzia de filas de cadeiras e sem lustres ou veludos encarnados, também por isso achei o Rio uma cidade viva, cosmopolita e culta, e Lisboa também o é, uma cidade viva, cosmopolita e culta, com alguns teatros de vão de escada, que é o mesmo que dizer com muitas companhias a trabalhar fora do circuito mainstream e das lindíssimas salas de espetáculos, por isso enfiar-me durante mais de três horas, numa sala de um rés-do-chão, sem ar condicionado, de um prédio escondido na Graça, para ver a companhia Primeiros Sintomas levar à cena, no Centro de Artes de Lisboa, a obra-prima de Tennessee Williams ‘Um elétrico chamado desejo’, com a maravilhosa Sandra Faleiro a fazer de Blanche Dubois, é sem dúvida das coisas que mais prazer me dá. Bravo!

 

27
Jan24

Dos espetáculos de que eu gosto - À Procura de Chaplin

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Durante aproximadamente uma hora ri-me a bom rir, as lágrimas escorreram de tanto rir, que é o mesmo que dizer que para mim À PROCURA DE CHAPLIN foi espetacular.

A encenadora Rita Calçada Bastos procura mostrar-nos o risível da vida, a sua brevidade e estupidez e que é sempre preferível o sorriso, a procura do seu lado solar, a urgência que lhe devemos imprimir, a sua constante procura, sempre a procura, e num divertidíssimo universo clown, que não é o mesmo que apalhaçado, vamos atrás de um mundo de Chaplin que encontra sempre a comédia na tragédia, com a sua imagética dos movimentos espelhados e miméticos, o chapéu, o balde, a vassoura, leva-nos atrás do sonho, sempre o sonho, e o riso, sempre o riso, a gargalhada.

Num espetáculo sem texto ou palavras, apenas umas algavariadas que mal se percebem, Carla Maciel brilha com o brilho das grandes estrelas que é o seu, mas Luciano Amarelo, c’os diabos, um clown que nos leva a todo o lado, uma expressividade, um magnetismo, uma sensibilidade à flor da pele, e, sobretudo, uma facilidade enorme em despertar sorrisos.

Belíssimo espetáculo, ainda em cena no Teatro São Luiz, Lisboa.

 

18
Dez23

Dos espetáculos de que eu gosto - Bravo 2023

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Bravo 2023 é uma revista ‘fina’, do Teatro Praga, que passa em revista todo o ano de 2023 e não deixa para trás nada daquilo que caracteriza a Revista à Portuguesa, as canções, os corpos, a sátira, o protesto, a brejeirice, a piada fácil, a música, o momento sério, as mensagens que nos querem passar, e se durante as três horas de duração há um outro momento menos bem conseguido, e noutros não consegui perceber literalmente o que diziam (cuidado com o som e/ou dicção), tivemos imensos momentos hilários e certeiros, se ouvimos Marcelo dizer we are fado and we are very machistas, o sabão Bravo num país de tachos e paneleiros ou a Lisboa desertificada na Lisboa pimbalina, fomos às lágrimas de tanto rir com a rábula do rabo de peixona (a propósito da série Rabo de Peixe), tudo isto num texto mordaz que perpassa as desgraças do ano sempre com a ironia e o disparate próprios de uma Revista.

Bom espetáculo encenado pela companhia de teatro Praga, com um conjunto de bons e diversos atores como a excelente Cláudia Jardim, que nos fizeram rir, cantar e bater palmas, e que bom que foi poder bater muitas palmas à rainha da Revista à Portuguesa, Marina Mota – sempre adorei a Marina, a graça, o tempo da piada, a elegância na brejeirice, a voz com que canta maravilhosamente, a atriz muito para além de qualquer rótulo, uma rainha no Palco e que bom que foi ter-lhe batido muitas palmas.

Em cena do São Luiz.

 

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