Do teatro que vejo - A Médica
Há uma velha máxima que cai que nem uma luva nesta peça, A Médica, menos é mais.
Ricardo Neves-Neves, nesta encenação para o Teatro da Trindade, com base num texto de Robert Icke, quis meter o Rossio na Betesga, que é como quem diz, não conseguiu conter a ambição de abordar todos os temas, esbardalhando-se por isso ao comprido.
Partiu de uma premissa interessantíssima, a ética no exercício da medicina e o confronto da integridade de um médico com o ar dos tempos, da necessidade de engolir sapos para se ter sucesso na carreira, o mediatismo, e o principal de tudo, o respeito pelo doente, estes temas são o mote da peça e por aqui se devia ter ficado.
Sociedade patriarcal, discriminação da mulher, racismo, apropriação cultural, wokismo, religião, aborto, homossexualidade, saúde mental, transgénero, redes sociais, mediatização e informação espetáculo, parece que todas as causas ativistas tinham de ter uma deixa no texto, só lhe faltou a proteção da formiga do Burkina Faso em risco de extinção, e assim se perdeu profundidade naquilo que era o ponto de partida, a ética do médico e o doente.
A peça também está todo ela assente numa ideia de que a igreja católica é, em uníssono, retrógrada e preconceituosa, e, por defeito, os médicos católicos antiaborto, uma visão redutora, alguma ambivalência ou discussão enriqueceriam certamente o texto.
Ainda assim, o texto tem vários momentos interessantes, alguns com mais profundidade, outros com mais graça, e vemos A Médica sempre com satisfação, até porque a encenação é bem conseguida (a indefinição do nome, do género e da raça das personagens é muito bem conseguida), com um naipe de atores extraordinário, se Inês Castel-Branco não tem unhas para este campeonato, todos os outros são brilhantes, desde logo a maravilhosa Custódia Gallego, mas também Adriano Luz, Rita Cabaço, Sandra Faleiro, Pedro Laginha e muitos outros.